A RIQUEZA DE SER NATURAL

Por: Dzongsar Khyentse Rinpoche

Para aqueles que são completamente novos, haverá muitos termos técnicos como yoga, shamatha etc. Não se preocupem muito, é apenas o meu hábito. Eu tenho este hábito, nós budistas temos um hábito de proferir algumas destas palavras. Isto não significa muito. Mas uma vez que vocês as experienciem, então talvez algumas delas possam dar muito significado. Por exemplo, a palavra yoga. Acho que, para muitas pessoas de Byron Bay e Nimbin [cidades ao norte de New South Wales com comunidades alternativas], yoga significa apenas se esticar. Quanto a mim, fui treinado para pensar de modo diferente. Quando dizemos yoga — em tibetano a palavra é traduzida como naljor —, ela tem um significado muito rico. Nal realmente significa "ser natural' e jor significa "riqueza".
 
 Então, estamos falando sobre a riqueza de ser natural. Como seres humanos, precisamos ter riqueza — riqueza mundana, material, e mais riqueza mental ou espiritual, como amor, compaixão, conhecimento, inteligência, diligência, paciência e assim por diante. E então riqueza física — beleza, atratividade, majestade, radiância ou poder. Mas yoga é a riqueza de ser natural. De fato, a palavra yogi, ou em tibetano naljorpa, significa "alguém que tem esse tipo de riqueza, a riqueza de ser natural". Na Índia ou no Tibet, nos referimos aos praticantes, meditantes, como yogis, significando que eles têm esta riqueza ou que têm a riqueza de serem naturais.

A pergunta é, para que devemos praticar shamatha? Para sermos naturais ou, de fato, usando uma linguagem mais prática, para estarmos no controle de nós mesmos. É isso. Na maior parte do tempo, não estamos sob controle. Nossa mente está sempre atraída ou distraída por algo — por nossos inimigos, por nossos amantes, por nossos amigos, simplesmente por tudo, esperança, medo, inveja, orgulho, apego, agressão, tudo isto. Então, em outras palavras, os objetos, os fenômenos, o mundo, controlam nossa mente; não temos controle sobre eles. Talvez possamos controlá-los um pouco, por meio segundo; mas se vocês estiverem em um estado emocional extremo, perderão o controle.

Então, vocês podem dizer que o objetivo da meditação shamatha, portanto, é realmente o de controlar nossa própria mente. Nesse caso, ela pode ser usada para todos os tipos de objetivos mundanos — tão mundanos que, se amanhã vocês precisarem ir a uma entrevista de trabalho, precisarão se comportar bem na frente de quem quer possa ser o seu novo empregador. Seu estado mental deve estar relaxado, não devem tossir muito nem se coçar. Vocês não devem fazer certas coisas; de outro modo, isto pode fazer com que a pessoa que supostamente dará a vocês um trabalho pense duas vezes, porque vocês estarão se comportando estranhamente. Então, em cada nível do nosso mundo, precisamos de controle e, a fim de obter esse controle, fazemos a meditação shamatha.

Então, é claro, para um budista o objetivo não é apenas um objetivo mundano, a curto prazo. Estamos supostamente procurando pela iluminação, estamos supostamente procurando por um atingimento mais elevado. Para isso, definitivamente, precisamos de controle sobre a mente.

De um ponto de vista budista, ser natural tem muito a ver com ser não-fabricado, não-fabricado por todos os tipos de referências dualistas. Então, neste sentido, por exemplo, a mais elevada meditação de insight ou vipashyana, por exemplo o Dzogchen da tradição Nyingma, enfatiza muito o não-fabricar e permanecer no estado de ser natural. Então suponho que aqueles que têm uma meta longa e sólida de seguir este caminho, e de gradualmente praticar meditação budista avançada como o Dzogchen ou o que quer que seja, devam se acostumar este termo, "ser natural".

Como seres humanos, quando um problema surge, nosso hábito imediato, nosso forte hábito, é o de contra-atacar, de superá-lo ou de tentar fazer algo sobre ele. Esse é o hábito que temos. Ninguém — não muitas pessoas — podem aceitar que, de fato, o melhor modo de combater este problema, o melhor modo de superá-lo, é permanecendo no estado de naturalidade. Esse é um tipo de dificuldade porque, antes de tudo, não sabemos o que [é] "ser natural"... E, vocês vêem, na definição absoluta, ser natural é ser livre de referências dualistas, então vocês estão indo não apenas além da agressão, da paixão e de tudo isso, mas até mesmo além dos assim chamados bons pensamentos, como amor e compaixão, serenidade, sanidade, coisas assim — porque todos estes são também um pouco de emoção, todos estes são também pensamentos, conceitos.

Mas bem agora, para muitos de nós, se falarmos sobre alcançar um estágio onde não apenas imaginamos [não] ter emoções negativas e também não haver outros pensamentos dualistas como amor, compaixão e tudo isso — isto está fora de nosso alcance. Temos muito deste hábito religioso, por exemplo, "Eu sou buista, eu devo ser compassivo." Isso é bom, nada há de errado com isso, mas há algo que vocês realmente devem adicionar. Não apenas devemos ser compassivos como budistas, mas devemos realmente tentar permanecer no estado de [naturalidade]. Isso é provavelmente a principal meta dos ensinamentos budistas.

De fato, como vocês ouviriam se recebessem ensinamentos de Mahamudra, se pudermos permanecer neste estado de [naturalidade], isso é referenciado como uma riqueza. Por que isto é uma riqueza? Quando vocês tiverem esta habilidade de permanecer no estado natural, então vocês conseguirão encontrar toda esta riqueza de amor e compaixão automaticamente. Então, neste sentido, o que estou dizendo é que se vocês fizerem a meditação shamatha — apenas observar a respiração entrando e saindo, entrando e saindo —, quando os pensamentos vierem, não os rejeite, não os encoraje. Não é isso que vocês supostamente devem fazer. Apenas observem a respiração, entrando e saindo. Vagarosamente, toda esta fabricação de pensamentos se torna menor, fraca ou lenta. Quando isso acontecer, a verdadeira cor ou verdadeira natureza da mente tem algum espaço para funcionar.

Bem agora, não estamos dando a esta mente uma oportunidade para ela agir como si mesma. Apenas não há espaço para ela se manifestar. Então, a [próxima] pergunta — talvez uma pergunta curiosa — se deixássemos a mente atuar, que tipo de atuação esta mente teria? Qual é a verdadeira cor [da mente]? Isto é onde a resposta budista entra. Aqui, os budistas [iriam] perguntar, "Qual é a definição de mente"? Luminosa. Esta luminosidade tem uma grande definição. É infinita. A maioria dos ensinamentos Mahayana e todos os ensinamentos budismo esotérico são ensinados a fim de explicar o que esta luminosidade significa. Então não é algo que possamos dizer apenas em algumas horas. Mas, geralmente, a fim de encorajar os praticantes, geralmente damos belos nomes a esta verdadeira natureza da mente, esta verdadeira cor, como "natureza búdica", "o buda interior". Agora, quando digo isto, pode soar um pouco negativo porque estou quase dizendo que apenas damos a isto um belo rótulo que ela realmente não mereceria. Não estou querendo [dizer] isto. Ela realmente merece [este nome]. A esta natureza da mente é dado um nome, "natureza búdica", "o buda interior", "bondade básica", e ela realmente merece este nome de natureza búdica.

Por quê? É bem difícil dizer a vocês, porque é como não ter olhos nos seus dedos dos pés. Então, se eu disser a vocês, "Imaginem como vocês veriam uma mesa através dos seus dedos dos pés", vocês não podem imaginar [isto]. Vocês podem usar a referência de ficar de cabeça para baixo e olhar para a mesa, mas não funciona. É muito difícil imaginar. Por quê? Porque bem agora, esta nossa mente... cada vez que usamos esta mente, estamos sempre usando esta mente através destas emoções, através desta fabricação, através destes filtros fabricados. Essa é a única referência que temos. Estas emoções, estas coisas negativas, como a inveja, o orgulho, esse é o único modo. É isso. É por isso que a verdadeira cor [da mente] não está se manifestando, porque esse é o único modo que podemos entender.

Agora, se eu disser, imaginem sua mente sem raiva, sem agressão, sem ignorância, sem estagnação, sem agitação, sem referências, sem conhecimento, sem educação, sem um sistema político, é bem difícil, não é? Os budistas decidiram dar a isto um belo nome, "o buda interior", "natureza búdica", a esta verdadeira cor [da mente]. E ela não merece este nome porque o quê os budistas pensam é isto — "buda" [significa] o desperto — a verdadeira cor, a natureza verdadeira da mente é o estado desperto. A ignorância, o desejo, a inveja, todos estes não são despertos. Então o que estou dizendo é que o termo "desperto" é usado em referência a estas emoções. As emoções, as emoções negativas como o desejo, a agressão, elas não são despertas. Por que elas não são despertas?

É fácil saber porque quando vocês têm agressão, vocês ficam cegos, definitivamente. Em um nível grosseiros, quando têm agressão, você vêem uma coisa, o que querem ver, o que decidiram ver, o que são ensinados a ver, sobre o que estão fixados a ver. É isso. Vocês não vêem a imagem toda. Vocês vêem apenas um lado da imagem, e até mesmo esse lado nós não sabemos se é o real. Poderia ser apenas a sua imaginação. É por isso que não é desperto; está totalmente em um sono profundo. Enquanto vocês tiverem esta ignorância, estas emoções, estas coisas não estão nos fazendo naturais. É isso. Por que não somos naturais? Por causa destas coisas. Estamos com raiva, perdemos nosso naturalidade. Estamos com inveja, perdemos nossa [naturalidade]. A mente real não tem nenhuma dessas [emoções negativas].

Então, agora, o que estamos fazendo? O shamatha é agora um grande truque. O shamatha não necessariamente pega esta verdadeira cor da mente e diz, "Veja, isto é o que você deve estar olhando". Esse não é o trabalho do shamatha. O shamatha sabe muito bem que vocês são distraídos por tudo isto, que vocês estão fabricando, que não estão sendo naturais por causa de todas estas [delusões]. Então shamatha escolhe um outro objeto e diz, "Ei, preste atenção nisto, desvie sua atenção para isto" e fazendo isso, vocês então realizam que toda esta [distração] está ao seu redor por todo o tempo, constantemente, e isso já é um atingimento. No momento em que vocês tiverem esta realização, que "Estou cercado desde um tempo sem início [por] todos estes pensamentos, estas distrações", esse é um grande atingimento. Vocês devem fazer uma festa toda vez que [perceberem] isto.

Uma outra razão pela qual não estamos em contato com o estado natural da mente é que não estamos no presente, nunca estamos no tempo normal. Quando vocês meditam, quando fazem shamatha, pensamentos surgem. Se vocês pensam, a maioria dos pensamentos são algo que tem a ver com o passado ou com o futuro. Alguns podem não ser tão obviamente [sobre] o passado ou podem não ser tão obviamente [sobre] o futuro, mas eles estão relacionados com o passado ou o futuro — algo que vocês já fizeram no passado, algo que farão no futuro. Nisto é onde permanecemos. Gastamos muito da nossa vida permanecendo no passado e no futuro, preocupando-nos com o passado e fantasiando sobre o futuro, ou [temendo] o futuro, usando estes dois [pontos de referência], algumas vezes usando o passado como uma referência e pensando que algo assim pode acontecer no futuro — esperança, medo, sempre.

Isto cria muita inaturalidade porque a [coisa] mais importante é o presente e isto nós sempre deixamos passar. Não apenas deixamos o presente passar, mas nele nunca permanecemos realmente. Não permanecemos no presente. No shamatha, como verão, vocês estão permanecendo na respiração do momento presente. É por isto que, quando vocês se concentrarem na respiração, não devem se concentrar na respiração passada ou na respiração futura — "Oh, eu fiz isso" ou "Vou me concentrar nesta respiração futura". Esta respiração que vocês estão respirando agora, esta é a mais importante. É [sobre] isto que vocês devem estar se concentrando. Se permanecerem no presente, a preocupação com o passado e com o futuro definitivamente reduzirá ou se tornará fraca. E se tiverem menos desta preocupação ou fabricação, esse definitivamente é o estado de naturalidade.

Vamos ver, agora que têm a idéia. Tentem fazer mais uma [meditação] observando a respiração do momento presente. Se a perderem, não importa. Apenas respirem e se concentrem no momento presente, na respiração do momento presente, neste momento.

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