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ORFEU E O
ORFISMO
Por Carlos Antonio
Fragoso Guimarães
Ao que tudo indica,
Orfeu foi um poeta trácio de grande habilidade musical e um místico de
grande carisma, mas cujos traços históricos estão para nós completamente
perdidos, a não ser pelas lendas e mitos que nos chegaram a seu respeito,
transformando-o num semideus. Já no século VI a. C. o poeta Ibico falava de
"Orfeu de nome famoso", testemunhando a grande notoriedade que Orfeu
usufruia em toda a cultura helênica, e que só se explica pela existência de
um fundador carismático e pela difusão do seu movimento religioso.
Eurípedes, Platão, Heródoto, Aristófanes e Aristóteles nos deixaram escritos
sobre o orfismo, e sabemos o quanto Platão deve aos mistérios órficos em sua
filosofia, especialmente no que concerne à doutrina da reencarnação. É bem
provável que o homem Orfeu tenha tido uma forte influência mística na
cultura grega no início do século VI a.C.
A religião pública na
Grécia e os Mistérios Órficos
A religião exerceu uma
profunda influência na gênese da filosofia grega, e, por conseqüência, na
filosofia ocidental. Mas quando se fala da religião helênica, se faz
necessário distinguir entre a religião pública, que teve seu modelo
na representação dos deuses e do culto que foi legado por Homero, e adotada
pela maioria da população pela sua simplicidade explicativa dos fenômenos
naturais e humanos,antropomorfizando-os, e a chamada religião dos
mistérios. Apesar de serem religiões com pontos em comum, há importantes
diferenças entre estas duas formas de religiosidade (como, por exemplo, a
concepção de homem, do sentido da vida e o destino último da alma humana).
Ambas as formas de religiosidade são fundamentais para a gênese da filosofia
grega, mas a segunda forma se destaca muito mais nesta gênese que a
primeira.
Nem todos os gregos consideravam críveis ou aceitáveis os pressupostos da
religião pública, recheada de deuses bastante humanos. Por isso, em círculos
restritos, desenvolveram-se os chamados "mistérios", com elementos da
religiosidade oriental, tendo suas crenças mais logicamente enlaçadas e seus
próprios rituais reconhecidamente simbólicos e com forte conteúdo
arquetípico-psicológico. O orfismo é particularmente importante porque
introduz na civilização grega uma nova interpretação da existência humana
(Reale & Antiseri, 1990). Enquanto a concepção tradicional, desde Homero,
considerava o homem com uma alma desconhecida, que se perdia na região do
Hades após a morte, quase como um fim total da existência humana, o orfismo
proclama a imortalidade da alma, sendo esta o que dá a persnonalidade do
homem, herdeira de uma história e de um trajeto evolutivo, sempre se
aperfeiçoando nesta e em inúmeras outras vidas, até que consiga se
assemelhar ao máximo a Deus.
Os principais elementos da doutrina órfica são:
a) No homem há um princípio divino, uma alma que caiu em um corpo para
corrigir uma imperfeição.
b)Essa alma não só preexiste ao corpo como também sobrevive a ele, estando
destinada a reencarnar em corpos sucessivos até que consiga depurar-se das
imperfeições e dos erros que a fazem voltar ao mundo.
c)Com suas práticas e ritos simbólicos, o orfismo buscava despertar no homem
a compreensão destas verdades, ajudando-o a tomar consciência do que e quem
ele é, e motivando-o a tomar ânimo para ter o total controle de sua vida,
aperfeiçoando-se e pondo fim ao ciclo das reencarnações - temos aqui, de
alguma forma, um eco dos ensinos budistas.
Conhecemos algumas máximas órficas, que nos chegaram através de fragmentos
encontrados em tabuinhas e em tumbas pertencentes a seguidores da doutrina.
Algumas dessas máximas resumem muito bem o núcleo central de sua doutrina:
Alegra-te, tu que sofreste a paixão: antes, desconhecias o que era o
sofrimento. De homem, nasceste Deus!".
"Feliz e bem-aventurado, serás Deus ao invés de um mero mortal! De homem,
nascerás Deus, pois és filho do Divino!"
De um modo geral, a mensagem órfica é a de que todos somos deuses, por
herança divina, e deveremos voltar a estar junto de Deus.
Sem o orfismo não se explicaria a
filosofia e a doutrina de Pitágoras, nem a de Empédocles e, sobretudo, não
se explicaria Sócrates e boa parte do pensamento de Platão, bem como de toda
a tradição que deriva de ambos.
Bibliografia Sugerida
Reale, Giovanni.-
"História da Filosofia Antiga" Vol. I Edições Loyola, São Paulo, s/d.
Reale, Giovanni & Antiseri,
Dario.- "História da Filosofia" Vol.I Ed. Paulus, São Paulo, 1990
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