YIDAMS

Compilado por Karma Tenpa Darghye

Os yidams (tib. yi dam, mente sagrada ou mente do compromisso) são as divindades meditacionais (sânsc. ishta-devata) do budismo esotérico. Essas "divindades" não são deuses no sentido comum, mas seres iluminados (sânsc. buda) que representam aspectos específicos da transformação interior, sendo visualizadas durante as liturgias (sânsc. sadhana) tântricas. Esta prática, chamada yoga da divindade ou união com a divindade (sânsc. devata-yoga, tib. leneljor / lha’i rnal ‘byor) é de muita importância no budismo esotérico pois utiliza simultaneamente os meios hábeis e a sabedoria. Os meios hábeis (sânsc. upaya) são os métodos para alcançar a iluminação e trazer benefício a todos os seres, enquanto a sabedoria (tib. prajna) é a consciência que compreende a natureza vazia dos fenômenos.

O termo "divindade" é uma tradução parcial e imprecisa de yidam, que literalmente significa "mente sagrada". No tantrismo, a "divindade" é uma manifestação da dimensão pura do próprio indivíduo, não de algo externo. A forma irada da "divindade" representa a natureza dinâmica da energia. A forma alegre [com consorte] representa a sensação de êxtase; e a forma pacífica representa o estado calmo da mente sem pensamentos.
(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

No Tantra, o princípio das deidades é um modo de comunicação. É difícil relacionar-se com a presença de energias iluminadas se elas não têm forma ou base para a comunicação pessoal. As deidades são entendidas como metáforas, que personificam e captam as infinitas energias e qualidades da mente de sabedoria dos budas. Personificá-las na forma de deidades torna possível ao praticante reconhecê-las e se relacionar com elas. Através do treino em criar e reabsorver as deidades na prática de visualização, ele descobre que a mente que percebe a deidade, e a própria deidade, não são separadas.

No budismo esotérico, o praticante terá um yidam, isto é, a prática de um buda ou deidade específica com quem tem uma forte ligação kármica, que é para ele uma encarnação da verdade, que invoca como a essência da sua prática. Em lugar de perceber as manifestações do dharmata [realidade pura] como fenômeno externo, o praticante do Tantra vai relacioná-la com sua prática de yidam, unindo-se e fundindo-se com elas. Uma vez que em sua prática reconheceu o yidam como a radiância natural da mente iluminada, está preparado para ver as manifestações com esse reconhecimento, deixando-as surgir como a deidade. Com essa percepção pura, o praticante reconhece o que quer que apareça no bardo como nada além da manifestação do yidam.
(Sogyal Rinpoche, O Livro Tibetano do Viver e do Morrer)

A principal manifestação do estado deludido no qual estamos agora, sem sermos capazes de reconhecer nossa verdadeira natureza, é perceber o mundo dos fenômenos como uma mistura de bom e ruim, de agradável e desagradável. O objetivo da prática na qual nos visualizamos como uma divindade e todo o mundo como uma terra pura não é o de novamente fabricar algo artificial; pelo contrário, é o de treinar a mente para uma percepção pura, o que significa reconhecer a primordial natureza pura, tanto de nossa mente quanto do mundo dos fenômenos.
(Kyabje Shechen Rabjam Rinpoche, The Essence of the Diamond-like Teachings)

As divindades nas práticas do Vajrayana têm centenas e milhares de aparências por causa dos níveis e máculas de cada indivíduo. A fim de subjugar cada tipo de mácula, há a necessidade de haver aquela divindade. Estas divindades não são consideradas "deuses", mas sim sambhogakayas [corpos de emanação] do Buda. Do ponto de vista último, todas as divindades são apenas como o espaço - não-duais e não há nem mesmo divindades!
(Shangpa Rinpoche, Introduction to Vajrayana)

A yoga da divindade envolve a visualização criativa de si mesmo como um buda totalmente iluminado, visando atingir esta iluminação mais rapidamente do que nas práticas do sutra. A divindade meditacional usada nesta prática representa o próprio potencial para a iluminação; é um arquétipo para o estado que se está tentando alcançar através da meditação. (...)
Não há diferenças fundamentais ou realmente existentes entre os seres comuns e os budas totalmente iluminados; a única diferença é que as mentes dos seres comuns são importunadas por pensamentos deludidos que resultam de aflições mentais, mas estas aflições são casuais e não são parte da natureza da mente. Quando os seres comuns removem estas aflições e aperfeiçoam a sabedoria e a compaixão, eles se tornam budas.
(John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

Há um paralelo nas lendas que envolvem a transmissão do budismo da Índia para o Tibet, que se acredita ter sido realizada pelo grande yogi indiano Padmasambhava, no século VIII. Naquela época, o Tibet era dominado por uma tradição xamanista. Os tibetanos eram profundamente supersticiosos e tinham medo de espíritos e forças mágicas que acreditavam estar à sua espreita do outro lado do mundo. Dizem que Padmasambhava desafiou os melhores xamãs da religião Bön local para uma competição em que provou a superioridade de seus poderes mágicos, vencendo-os em seu próprio jogo.

No decorrer da competição, derrotou os poderosos demônios com cabeça animal dos reinos inferiores, convertendo-os em protetores do budismo e revelando-lhes que seu temperamento era um dos aspectos da mente iluminada, e não das forças demoníacas. A tradição tibetana está repleta de imagens de tais seres "dando pontapés no cadáver do ego", representando o controle das emoções dolorosas e a trajetória que parte da projeção, da paranóia,e do medo, e avança em direção a uma capacidade visual harmônica e lúcida.
(Mark Epstein, Pensamentos sem Pensador)

Se você é uma pessoa raivosa, é muito eficaz fazer prática de visualização, usando a ira como antídoto para cortar a raiva que existe na sua mente. Nas práticas com divindades iradas, visualizamos seres irados, manifestações da sabedoria, com duas, quatro ou muitas pernas pisoteando seres negativos, soltando faíscas e brandindo armas. Aqueles que são destruídos não são seres externos, mas nossos próprios venenos, nossos verdadeiros inimigos e demônios. O apego do "eu" é encarnado por Rudra, o "dono" do samsara, que é reprimido por seres que personificam a sabedoria. Em todas essas imagens iradas, assistimos ao desenrolar de uma guerra interior: a sabedoria destrói a raiva, apego e ignorância.
(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

Na prática da nossa identificação com determinado yidam, temos de desenvolver uma consciência que nos ativa de volta à nossa verdadeira natureza, partindo da nossa natureza confusa. Precisamos de choques súbitos, lembretes constantes, uma qualidade desperta. Essa percepção é representada pelas divindades protetoras que se mostram em forma irada. Uma sacudidela repentina que nos aviva a memória. É uma consciência irada porque envolve o salto. Este salto necessita de certa espécie de energia para romper a confusão. Precisamos realmente tomar a iniciativa de saltar, sem nenhuma hesitação, dos limites da confusão para a abertura. Precisamos efetivamente destruir a hesitação. Precisamos destruir todos os obstáculos que encontramos no caminho.

Por isso, a divindade se denomina protetora. "Proteção" não significa garantir a nossa segurança, mas significa um ponto de referência, uma diretriz que nos aviva a memória, que nos mantém no lugar, no aberto. Existe, por exemplo, uma divindade protetora chamada Mahakala de seus braços, que é de cor preta, e se situa sobre Ganesha, a divindade com cabeça de elefante, que aqui simboliza os pensamentos subconscientes. A tagarelice subconsciente é um aspecto da preguiça que nos desvia, automaticamente, de ser conscientes e nos convida a voltar ao fascínio dos pensamentos e emoções. Atua especialmente sobre a natureza vistoriadora de nossos pensamentos - intelectuais, corriqueiros, emocionais, sejam eles quais forem. O Mahakala leva-nos de volta à abertura. A intenção do simbolismo é mostrar que o Mahakala sobrepuja a tagarelice subconsciente, colocando-se sobre ela. O Mahakala representa o salto na consciência penetrante. (...)

Os yidams irados são sempre associados ao que se conhece em termo tântricos como a "ira vajra", a ira que tem a qualidade tathata; em outras palavras, a ira sem ódio, energia dinâmica. Essa energia, seja qual for a sabedoria a que pertence, é invencível. É completamente indestrutível, imperturbável, porque é não-criada, mas descoberta como qualidade original.
(Chögyam Trungpa Rinpoche, Além do Materialismo Espiritual)

Hoje em dia, algumas pessoas que não compreendem a natureza das divindades iradas sentem-se desconfortáveis com este conceito, mas deveríamos saber que elas não são, de modo algum, uma expressão de nossa confusão emocional comum, na qual, como seres não-iluminados, reagimos com apego ao que é nosso e com aversão aos outros.

Ao invés disso, o vasto alcance das divindades iradas é simplesmente uma expressão do poder inato da compaixão, que de fato doma a nossa negatividade emocional.
(Lama Nubpa Chodak Gyatso, The Shi-tro Mandala for Universal Peace)

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