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A Escola Ching-t'u A Escola da Terra Pura (chin.
Ching-t'u-tsung) do buddhismo Mahayana, também conhecida como Escola do
Lótus, foi fundada na China em 402 pelo monge Hui-yüan (334/6-416). Ele era
um erudito nos textos do confucionismo e do taoísmo. Posteriormente, foi
para o sul da China e se tornou discípulo do monge buddhista Tao-an
(312-385). No monte Lu-shan da província de Kiangsi — lugar freqüentado por
mestres buddhistas e confucionistas —, Hui-yüan convidou eruditos como Tao
Yuan-ming e Li Yi-min para fundar a Sociedade do Lótus Branco. Hui-yüan não
pretendia fundar uma escola, mas apenas incentivar as as pessoas a gerar o
voto renascer na Terra Pura. Os textos fundamentais desta tradição são os
dois Sukhavati-vyuha Sutras (um menor e outro maior) e o
Amitayur-dhyana Sutra. A versão menor do Sukhavati-vyuha Sutra é
mais conhecida como o Sutra de Amitabha (jap. Amidakyô) ou o
Pequeno Sutra (jap. Shôkyô). A versão maior também é conhecida
como o Sutra da Vida Imensurável (jap. Muryôjûkyô) ou o
Grande Sutra (jap. Daikyô), sendo considerado uma forma abreviada
do Sutra do Lótus do Dharma Maravilhoso (sânsc. Saddharma
Pundarika Sutra). O Amitayur-dhyana Sutra, mais conhecido como o
Sutra da Contemplação da Vida Infinita (jap. Kanmuryôjûkyô) ou
Sutra da Contemplação (jap. Kangyô), teria sido ensinado pelo
Buddha Shakyamuni à rainha Vaidehi, esposa do rei Bimbisara de Magadha. Às
vezes, o último capítulo do Buddha Avatamsaka Sutra, que trata das
práticas e votos do Bodhisattva Samantabhadra, é considerado o quarto texto
fundamental da Terra Pura. De acordo com estas escrituras, um monge chamado
Dharmakara fez 48 votos diante de Lokeshvara-raja, o 53° Buddha. Este monge
se tornaria o dhyani-buddha Amitabha ("o buddha da vida e luz infinitas",
chin. O-mi-t'o, jap. Amida), que então assumiu o compromisso
de salvar todos os seres sencientes e de levá-los a uma Terra Pura
(sânsc. buddha-kshetra, chin. ching-t'u, jap. jôdo)
localizada no ocidente. O 18° voto assumido por ele seria o de não
atingir o estado de liberação a não ser que ele pudesse levar todos os
outros seres ao mesmo estado. Este é conhecido como o voto original
(sânsc. purvanidana, jap. hongan), um meio hábil para liberar
os seres do samsara. Já que o voto original transcende o pensamento,
Amitabha teria criado o nome sagrado (sânsc. namadheya, jap.
myôgô) para ser fácil de manter e recitar; é o próprio chamado de
Amitabha. Seu paraíso, a Terra da Bem-Aventurança
(sânsc. Sukhavati), seria um lugar completamente livre do sofrimento,
onde todos teriam as condições ideais para praticar o Dharma e alcançar a
iluminação. O nascimento ou ir-nascer (jap. ôjô) na
Terra Pura seria espontâneo, dentro de um lótus, isto é, sem a necessidade
de gestação. Ao contrário do reino dos deuses (sânsc. deva-loka),
a Terra Pura estaria fora da existência cíclica (sânsc. samsara)
e, portanto, nela não haveria qualquer tipo de sofrimento ou delusão. Os
seres poderiam permanecer lá até atingir o despertar, sem o perigo de
regredir a um estado inferior. Este paraíso seria adornado por flores, jóias
e ouro, maravilhosamente permeado por perfumes e música celestial. A
natureza da Terra Pura é ilusória, assim como a natureza de todos os
fenômenos. Diz-se que muitos praticantes zelosos tiveram muitos sinais
auspiciosos no momento da morte, incluindo o aparecimento de fragrâncias e
música celestial, nuvens, flores e visões. O Buddha Amitabha também é chamado de Amitayus,
neste caso enfatizando o aspecto da longevidade. Ao contrário de Shakyamuni,
o Buddha Amitabha não é considerado um personagem histórico — pelo menos não
desta era. O mítico Buddha Amitabha representa o Dharma como luz (sabedoria)
e vida (compaixão) infinitas, oferecendo uma salvação incondicional. Há
cerca de 290 textos indianos sobre o Buddha Amitabha e, de acordo com estas
escrituras, Amitabha teria aparecido em uma era passada, tendo se tornado o
54° Buddha após Dipankara, o primeiro Buddha de todos os tempos. O Buddha de
nossa era, Shakyamuni, teria sido o 78° Buddha após Dipankara e o 4° Buddha
da era atual. Muitos textos do buddhismo Mahayana, como o
Pratyutpanna Samadhi Sutra, o Pei-hwa-ching, o e o
Maha-ratnakuta Sutra apresentam o significado e a meta da prática da
Terra Pura. Segundo o Maha-ratnakuta Sutra, o próprio Buddha
Shakyamuni teria pedido a seu pai e a 60.000 pessoas do clã Shakya que
fizessem a aspiração de renascer na Terra Pura. O ensinamento da Terra Pura
seria destinado a todos os seres, sem exceção, independente do seu nível de
prática espiritual. A Terra Pura seria a nossa própria mente; Amitabha seria
a nossa própria natureza verdadeira. De acordo com estes mesmo ensinamentos,
concentrar-se sobre Amitabha é concentrar-se sobre todos os Buddhas;
renascer em Sukhavati é renascer em todas as Terras Puras. Aqueles que têm
fé em Amitabha — sejam santos ou não, ricos ou pobres, homens ou mulheres —,
que recitam seu nome de forma concentrada, que contemplam suas qualidades e
o visualizam-no em sua Terra Pura, estariam garantindo o seu renascimento na
Terra Pura. Em seu Tratado sobre o Despertar da Fé no
Grande Veículo (sânsc. Mahayana Shraddotptada Shastra), o poeta e
filósofo Ashvaghosha também recomenda que os praticantes recitem o nome de
Amitabha pare renascer em sua Terra Pura. Em suas obras, Nagarjuna escreve
um capítulo e doze seções sobre o assunto, enquanto Vasubandhu escreveu o
Discurso sobre a Terra Pura (jap. Jôdoron). Neste tratado,
Vasubandhu afirma que existem cinco "portões" para alcançar o renascimento
na Terra Pura de Amitabha: [1] a veneração, reverenciar o Buddha; [2] o
louvor através da repetição do nome de Amitabha; [3] o voto ou aspiração de
renascer em sua Terra Pura; [4] a contemplação das virtudes de Amitabha e de
sua Terra Pura; [5] a dedicação ou transferência do mérito adquirido por
estas práticas para todos os seres sencientes. Desenvolver a bodhichitta é precisamente procurar
o estado búddhico. Procurar o estado búddhico é desenvolver a mente de
resgatar os seres sencientes. A mente de resgatar os seres sencientes não é
outra senão a mente que reúne todos os seres e os ajuda a atingir o
renascimento na Terra Pura. (Vasubandhu) Recite o nome de Buddha enquanto estiver
caminhando. Recite o nome de Buddha enquanto estiver sentado. Até mesmo
quando estiver ocupado como uma flecha, sempre recite o nome de Buddha. (Su Tung-p'o) Uma única recitação do nome de Buddha, se feita
corretamente, contêm as três mil atitudes auspiciosas e as oitenta mil
condutas sutis. Todos os vários enigmas do Zen e os meios mais expeditos dos
estudos dos sutras também estão incluídos. (Ou-i) É como acender fogo em cima do gelo. Conforme o
fogo se intensifica, o gelo derrete. Quando o gelo derrete, o fogo é
extinto. Também é assim como a recitação [do nome] de Buddha. No final, o
praticante atingirá o reino do não-nascimento e verá o fogo do renascimento
desaparecer espontaneamente. (T'ao-ch'o) Bem agora, você deve simplesmente recitar o nome
de Buddha com pureza e iluminação. Pureza significa recitar o nome de Buddha
sem quaisquer outros pensamentos. Iluminação significa refletir novamente
enquanto você recita o nome de Buddha. Pureza é shamatha, "parar".
Iluminação é vipashyana, "observar". Unifique sua atenção do Buddha
através da recitação do nome de buddha, e tanto o "parar" quando o
"observar" estarão presentes. (Chu-hung) Hoje as pessoas pensam no Dharma da Terra Pura
como um ensinamento expediente. Pouco fazem para perceber que ele também é
um Dharma maravilhoso. Por exemplo, o bodhisattva Samantabhadra, cujo corpo
do dharma [sânsc. dharmakaya] abarca todo o reino do Dharma [sânsc.
dharmadhatu]; ele fez dez grandes votos direcionados à Terra Pura. O
patriarca Ashvaghosha contou sobre cem seções dos sutras Mahayana para
escrever o Tratado sobre a Fé [no Mahayana, sânsc. Mahayana Shraddhotpada
Shastra], mostrando aos seres sencientes o caminho para a Terra Pura. (Han-shan Te-ch'ing,
Meng-yu-chi) O Shurangama Sutra afirma, "As várias
montanhas, rios e continentes, até mesmo o espaço vazio fora do nosso corpo
físico, são todos reinos e fenômenos dentro da maravilhosa e brilhante mente
verdadeira". Também afirma que "Os fenômenos que surgem são todos
manifestações da mente apenas". Portanto, onde você poderia encontrar uma
terra búddhica fora da mente? Assim, o conceito de Terra Pura da Mente
Apenas refere-se à Terra Pura dentro da mente nossa verdadeira. Isto não é
diferente do oceano, no qual aparece um número incontável de bolhas; nenhuma
delas está fora do oceano. Também é como as partículas de poeira no solo;
nenhuma delas não é o solo. Do mesmo modo, não há terra búddhica que não
seja mente. [...] Se a mente for poluída, o reino será poluído; se a mente
for pura, o reino será puro. O Vimalakirti [Nirdesha] Sutra afirma,
"Para renascer na Terra Pura, primeiro você precisa purificar sua mente;
quando a mente é pura, as terras búddhicas são puras também." A porta do
Dharma da Terra Pura é um método maravilhoso para atingir a pureza da mente. (T'ien-ju Ch'an-ssu,
Ching-t'u Huo-wen) A principal característica do buddhismo da Terra
Pura é a recitação do nome de Buddha, invocando Amitabha através do cântico
do seu nome. Através da recitação do nome de Buddha, as pessoas focalizam
sua atenção sobre o Buddha Amitabha. Isto promove a atenção sobre o Buddha,
também conhecida como lembrança do buddha [sânsc. buddha-nusmriti].
Em que sentido o buddha é "lembrando"? Buddha é o nome para aquela realidade
subjacente em todas as formas do ser, assim como um epíteto para aqueles que
testemunham e expressam essa realidade. De acordo com o ensinamento
buddhista, todas as pessoas possuem uma natureza verdadeira inerentemente
iluminada, que é a sua identidade real. Portanto, tornando-se atento ao
Buddha, as pessoas estão apenas obtendo novamente sua própria identidade.
Elas estão se lembrando de sua própria natureza búddhica. (J. C. Cleary, Pure Land, Pure
Mind) O buddhismo da Terra Pura, que historicamente tem
sido a forma mais popular de buddhismo no leste asiático, centraliza sua
prática em torno do Buddha Amitabha. Falando de modo geral, o buddhismo da
Terra Pura coloca mais ênfase no poder do Buddha Amitabha — para ajudar o
praticante — do que outras práticas buddhistas fazem. O buddhismo Zen e o
T'ien-t'ai, por exemplo, geralmente colocam mais ênfase na autoconfiança e
no insight do próprio praticante. Renascer na Terra Pura do Buddha Amitabha
é uma meta maior dos praticantes da Terra Pura. Para alguns praticantes, a
Terra Pura de Amitabha é concebida como sendo um lugar físico real, enquanto
para outros é um estado mental realizado mais perfeitamente. A
característica mais importante da Terra Pura de Amitabha é que ela é um
reino búddhico onde é relativamente fácil fazer progresso rápido para a
iluminação. Todos os seres sencientes lá são muito dignos e as condições são
perfeitas para aprender o Dharma. (Hsing Yün, Only a
Great Rain) [As escolas Terra Pura e Zen] complementam-se
muito bem, dado que a primeira ensina a humildade de depender do Buddha e a
segunda ensina a sabedoria de depender de si próprio. (Hsing Yün, Budismo) O Zen sempre foi uma tradição relativamente
aristocrática, atraindo primeiro a nobreza e, depois, os líderes da classe
guerreira (samurais). Ele enfatiza o empenho para se atingir a iluminação,
quer pela meditação, quer pela profunda introspecção. [...] O buddhismo
Terra Pura, em contraste, ensina uma prática simples, acessível a qualquer
um: a recitação do nome do Buddha. Se, por um lado, o Zen enfatiza o esforço
espiritual, o buddhismo Terra Pura enfatiza a fé. O Zen ensina que cada
pessoa é um Buddha e deve alcançar sua iluminação. O buddhismo Terra Pura
ensina que o Buddha Amitabha, que já atingiu a iluminação, existe para
salvar qualquer um que invoque o seu nome com fé sincera. Como resultado, o
buddhismo terra Pura atrai seguidores entre os homens comuns. (Hiroyuki Itsuki, Tariki) A escola da Terra Pura ensina a recitação de
Buddha — a repetição do nome do Buddha Amitabha. Porém, ela não ensina
simplesmente recitar com a boca, como um papagaio gritando palavras
desatentamente. A recitação de Buddha centrada na mente é a verdadeira
recitação de Buddha. Conforme afirmam os sutras, "a mente, os buddhas e os
seres sencientes são indiferenciados e iguais". Fora da mente não há buddha,
fora do buddha não há mente. Buddha é mente, mente é Buddha. Se um
praticante recitar o nome de Buddha desta maneira, ele gradualmente chegará
ao estágio onde não há nem mente como sujeito nem Buddha como objeto. E não
há nem um sujeito nem um objeto de recitação. Este é o estágio antes do
surgimento de um único pensamento. Isto é o hua-t'ou [da escola Zen,
jap. watô] e isto é a nossa própria face original. (Da introdução de Lok To em Pure
Land of the Patriarchs) O buddhismo, como uma das principais religiões e
como um modo de vida, é assunto de numerosos livros e comentários. Porém, o
cerne de seus ensinamentos pode ser expresso em dois conceitos principais:
pureza da mente e prática. Os ensinamentos tradicionais da Terra Pura
enfatizam três elementos — fé [no compromisso de Amitabha], votos [aspiração
de renascer na Terra Pura] e prática (recitação de Buddha) — como as
condições essenciais para o renascimento na Terra Pura, na Mente Pura. Esta
abordagem é apresentada como o caminho mais fácil e mais expediente para a
maioria das pessoas nestes dias e nesta era. Estes ensinamentos estão em harmonia com outras
tradições da Terra Pura, como a Jôdo Shinshû, na qual o shinjin, fé,
é definitivamente definido como a mente — a verdadeira mente, abarcando os
votos e a prática (jap. sanshin isshin). A Terra Pura também está
alinhada com o Zen, que vê todos os ensinamentos como expedientes, "dedos
apontando para a lua" — a lua sendo a mente verdadeira, a mente da talidade,
sempre brilhante, pura e imutável. Do mesmo modo, o Dhammapada, um
texto chave da escola Theravada, sumariza os ensinamentos do Buddha com as
palavras "Não faça o que é mau, faça o que é bom, mantenha sua mente pura."
Porém, a pureza da mente não pode ser atingida pelo estudo e verbalização
apenas; só pode ser atingida através da prática. [...] Enquanto um praticante está ocupado visualizando
o Buddha [Amitabha] ou recitando o nome do Buddha, ele não pode cometer
transgressões ou violar os preceitos buddhistas; portanto, ele efetivamente
realiza a perfeição [ou treinamento superior] da disciplina [sânsc. shila].
Do mesmo modo, recitando o nome do Buddha com uma mente completamente focada
é nada menos que a realização da perfeição da concentração [sânsc.
samadhi]. Uma vez que a concentração seja atingida, a mente do
praticante torna-se vazia e calma, conduzindo ao surgimento de sua sabedoria
inata — a sabedoria [sânsc. prajna] dos buddhas. (Thich Thiền Tâm,
Pure Land Buddhism) Em alguns dos sutras, lugares como o reino puro
do Buddha Amitabha são enfatizados. Porém, estes são efetivamente
ensinamentos simbólicos. Se formos capazes de seguir o Dharma corretamente,
bem aqui, onde você está sentado, pode ser transformado na terra pura de
Amitabha. O conceito de céu em outras religiões é totalmente diferente do
conceito buddhista da terra pura de Amitabha. Em outras religiões, o céu é
considerado uma entidade solidamente verdadeira e externamente existente. No
buddhismo, as terras puras são um conceito de percepção individual. (Dzongsar Khyentse Rinpoche,
Motivação, Fixação e Meditação) O trabalho iniciado pelo monge Hui-yüan foi
continuado por T'an-luan, Chi-che, Tao-ch'o, Shan-tao, Chin-liang e
Yung-ming. Os monges Chang-lu, T'ien-i, Yuen-hao, Ta-t'ung, Chung-feng,
T'ien-ru, Chu-shih e K'ung-ku integraram a prática da Terra Pura com a da
escola
Ch'an (jap. Zen), à qual pertenciam. Na dinastia Ming, o monge
Lien-chih foi introduzido à prática da Terra Pura por Hsiao Yen-chih e
também incorporou-a na prática Ch'an, o que foi seguido por Ou-i, Chih-liu,
Hsing-an e Meng-tung. O taoísta chinês T'an-luan (jap. Donran, 476-542)
foi convertido ao buddhismo em 530 pelo monge indiano Bodhiruchi. T'an-luan,
autor do comentário Wang-sheng-lun Chu, desenvolveu a escola da Terra
Pura como uma tradição distinta. Segundo ele, o próprio poder (jap.
jiriki) não é suficiente para alcançar a iluminação, sendo necessário
o outro poder (jap. tariki) — isto é, o poder do Buddha
Amitabha, cuja graça é semelhante à luz que emana do sol. Amitabha
proporcionaria incondicionalmente o despertar sobre os seres presos na
ignorância. Isto constitui o "caminho fácil" da Terra Pura, em oposição ao
"caminho difícil" das outras escolas. Com relação ao "outro poder", para qualquer um
que acreditar no poder do voto compassivo do Buddha Amitabha de resgatar os
seres sencientes e então desenvolver a bodhichitta, cultivar o samadhi [da
recitação ou] lembrança do Buddha, cansar-se do seu corpo temporal e impuro
nos três reinos, praticar a caridade, manter os preceitos e realizar outros
atos meritórios, dedicando todos os méritos e virtudes ao renascimento na
Terra [Pura] Ocidental — suas aspirações e a resposta do Buddha
estarão de acordo. Contando assim sobre o poder do Buddha [Amitabha], ele
imediatamente atingirá o renascimento. [...] Aqueles que renascem na Terra Pura, apesar de
poderem ser seres ordinários totalmente pegos pela armadilha do karma
negativo, não podem desenvolver aflições ou visões perversas nem falhar em
atingir o não-retrogresso [isto é, não poderão cair novamente no sofrimento
do samsara]. Isto é devido a cinco fatores: [1] o poder do grande e
compassivo voto do Buddha que os abraça e protege; [2] a luz do Buddha
sempre bilha sobre eles e, portanto, a bodhichitta destes seres superiores
sempre progredirá; [3] na Terra Pura ocidental, os pássaros, a água, as
florestas, as árvores, o vento e a música todos pregam o Dharma do
"sofrimento, vacuidade, impermanência e não-eu" e, ao ouvirem isto, os
praticantes começam a se focalizar sobre o Buddha, o Dharma e a Sangha; [4]
aqueles que renascem na Terra Pura têm os bodhisattvas dos níveis mais
elevados como seus companheiros e estão livres de todos os obstáculos,
calamidades e más condições, além de não haver demônios malignos, de modo
que suas mentes estão sempre calmas e pacíficas; [5] uma vez nascidos na
Terra Pura, seu tempo de vida é inexaurível, igual ao dos buddhas e
bodhisattvas, assim podem praticar pacificamente durante incontáveis éons. (Chih-i, Ching-t'u
Shih-lun) Desde os seus primórdios, na Índia, o buddhismo
ensinou um longo e árduo caminho de prática para se alcançar a iluminação.
Esse esforço pessoal feito pra atingir a iluminação é uma manifestação do
"próprio poder". Tariki, por outro lado, é o reconhecimento do grande
a abrangente "outro poder" — neste caso, o Buddha e a sua capacidade de nos
iluminar — e o simultâneo reconhecimento da profunda impotência do indivíduo
diante das realidades da condição humana. [...] (Hiroyuki Itsuki, Tariki) T'an-luan enfatizava a prática devocional da
recitação de Buddha (chin. nienfo, jap. nenbutsu), isto é,
a recitação do nome de Amitabha. A prece original era "Tomo refúgio em
Amitabha" (sânsc. Namo Amitabha); em tradições posteriores à
compilação dos sutras, também aparece a prática de recitação da prece "Tomo
refúgio no Buddha Amitabha" (sânsc. Namo Amitabhaya Buddhaya). Na
China, esta prece foi traduzida como Nan-mo O-mi-t'o Fo, e no Japão
como Namu Amida Butsu. Em seu Tratado sobre o Renascimento na Terra
Pura, T'an-luan classificou seis técnicas básicas de meditação da Terra
Pura, sendo tanto técnicas de shamatha quanto técnicas de vipashyana.
Seguiremos sua classificação abaixo. As seis técnicas caem em dois grupos. ·
[1.1] O mero ato de fazer um voto e repetir o nome do
Buddha Amitabha é suficiente para limpar a mente e para trazer a cessação
das máculas mentais; ·
[1.2] Já que a Terra Pura não é parte dos três reinos
[do samsara, isto é, os reinos do desejo, da forma e da não-forma], o mero
ato de renascer lá é suficiente para limpar a mente e trazer a cessação de
todas as máculas do corpo, da fala e da mente; ·
[1.3] O poder do próprio ser iluminado do Buddha
Amitabha é tão grande que ele pode trazer a cessação para qualquer um que o
chamar. [2] A porta da contemplação: Esta é uma porta de
vipashyana. Neste aspecto da prática da Terra Pura, o praticante focaliza
sua atenção sobre a contemplação, do modo que ele terá sucesso em superar
sua confusão mundana e seus hábitos de delusão. As três contemplações
básicas são: ·
[2.1] Contemplar a perfeição e magnificência da Terra
Pura; ·
[2.2] Contemplar a perfeição e magnificência do
Buddha Amitabha; ·
[2.3] Contemplar a perfeição e magnificência dos
bodhisattvas que renasceram na Terra Pura. (Hsing Yün, Only a
Great Rain) O monge Tao-ch'o (jap. Dôshaku, 562-645) foi um
dos principais propagadores da Terra Pura na China. Tornou-se monge aos
catorze anos e se especializou no Nirvana Sutra. Aos quarenta anos,
ao visitar o monastério Hsüan-chung-ssu (jap. Genchû-ji), ele leu uma
inscrição em louvor a T'an-luan e decidiu aspirar à Terra Pura. Permaneceu
naquele templo, chegou a recitar o nome de Amitabha 70.000 vezes por dia e
ensinou mais de duzentas vezes sobre o Amitayur-dhyana Sutra. De acordo com Tao-ch'o, a recitação do nome de
Amitabha seria a única forma efetiva para merecer o renascimento na Terra
Pura e, portanto, de atingir a iluminação. Segundo ele, os seres ignorantes
na era do declínio da compreensão do Dharma seriam incapazes de praticar
outras formas de aprofundamento e entendimento espirituais. Tao-ch'o
ensinava a repetição constante do nome de Amitabha e criou um rosário para
esse propósito. Ele também escreveu a Coleção de Passagens sobre a Terra
da Paz e Bem-aventurança (jap. Anraku-shû), em dois volumes
Nas escolas da Terra Pura, há uma escatologia que
divide a propagação do Dharma em três períodos. Esse pensamento foi muito
trabalhado por Shan-tao e no Japão principalmente pelos monges Hônen e
Shinran, entre outros. De acordo com esses textos, as idades do Dharma
seriam divididas em pelo menos três grandes períodos. Na era do Dharma
verdadeiro (jap. Shôbô), que duraria 500 (ou 1000) anos, o
ensinamento de Buddha seria praticado corretamente e a iluminação poderia
ser atingida facilmente; muitas pessoas alcançariam o despertar somente pelo
ouvir do Dharma. Na era do Dharma aparente (jap. Zôhô), que
duraria 2.000 (ou 500) anos, o ensinamento seria praticado, mas a iluminação
seria mais difícil, sendo necessário necessárias muitas práticas
meditativas para alcançar esse fim. Já na era do Dharma decadente
(jap. Mappô), que duraria 2.000 anos, o ensinamento seria praticado,
mas a iluminação seria extremamente rara. A partir disso, o Dharma desapareceria
gradualmente, até que aparecesse no mundo o o Bodhisattva Maitreya (jap.
Miroku Bosatsu) que se tornará o novo Buddha e restabelecerá o Dharma
correto no futuro. De acordo com o Mahasamgata Sutra, na época do fim
do Dharma, haverá muitos praticantes buddhistas mas poucos atingirão a
liberação; porém, se recitarem o nome do Buddha, eles serão capazes de
transcender o samsara. Uma única recitação sincero do nome de Buddha seria
capaz de purificar o karma negativa acumulado durante milhões de éons. Depois do nirvana do Buddha, o Dharma verdadeiro
durará quinhentos anos e o Dharma imitativo durará mil anos. Depois destes
quinze séculos, o Dharma de Shakyamuni perecerá completamente. (Bhadrakalpa Sutra) Na China, após a perseguição iniciada pelo
imperador taoísta Wu-tsung no ano de 845, as escolas Terra Pura e
Ch'an (jap. Zen) foram praticamente as únicas que conseguiram
manter uma presença significativa. A Terra Pura e o Ch'an acabariam se
fundindo em uma única tradição, predominante no buddhismo chinês até os dias
de hoje. Apesar de a China historicamente ter produzido
oito escolas maiores de buddhismo [T'ien-t'ai, Hua-yen, Fa-hsiang, San-lun,
Ch'an, Ching-t'u, Lü-tsung, Mi-tsung], e apesar de uma vez estas escolas
terem sido bem distintas umas das outras, é importante entender que não há
diferença fundamental entre elas. São diferentes apenas em suas ênfases ou
em certas de suas interpretações filosóficas. Por esta razão, os buddhistas
chineses modernos geralmente praticam uma mistura de técnicas de duas ou
mais das oito escolas. Uma das formas mais efetivas de prática buddhista é
misturar a prática Ch'an com a prática da Terra Pura. (Hsing Yün, Only a
Great Rain) Quando as pessoas dizem Namu Amida Butsu, Namu
Amida Butsu, elas querem ser os filhos do Buddha Amida. Eis o porquê da
prática de repetir o nome do Buddha Amitabha. O mesmo ocorre com a nossa
prática de meditação sentada. Se soubermos como praticar a meditação e se
aquelas pessoas souberem como repetir o nome do Buddha Amitabha, não poderia
ser diferente. (Shunryu Suzuki,
Not Always So) No
Japão, o primeiro a disseminar a escola da Terra Pura foi o monge Eon,
que viajou à China em 608 e lá permaneceu durante 38 anos. Em 640, Eon
explicou para a corte japonesa as escrituras sobre o Buddha Amitabha.
Ele escreveu um tratado sobre a Essência para
Ir Nascer na Terra Pura (jap. Ôjô Yôshû), mostrando as vantagens
da prática baseada sobre a compaixão de Amitabha. O monge Ryônin (1072-1132)
criou a primeira escola amidista no Japão, chamada Yûsû-nenbutsu. Os antigos disseram, "O Buddha Shakyamuni
manifesta-se no mundo impuro e subjuga os seres sencientes através das
condições de impureza, sofrimento, impermanência e obstáculos, criando neles
um senso de aborrecimento de modo que sigam o caminho correto. O Buddha
Amitabha, por outro lado, manifesta-se na Terra Pura, reúne os seres
sencientes através de condições como pureza, felicidade, permanência e
não-retrocesso, criando neles o desejo de retornar à fonte da verdade. Deste
modo, os dois buddhas usam o método dual da subjugação e reunião para
propagar o Dharma correto. Suas atividades de ensinamento e transformação
estão assim relacionadas. Além disso, enquanto ensinava os três veículos, o
Buddha Shakyamuni propagou especialmente o método da Terra Pura de modo que,
através da ajuda do Buddha Amitabha, os seres sencientes que ainda foram
deixados possam ser resgatados. Portanto, nos sutras do Mahayana, o Buddha
Shakyamuni recomendou compassivamente e exortou constantemente o
renascimento na Terra Pura." [...] (T'ien-ju Ch'an-ssu,
Ching-t'u Huo-wen) Possuidora de uma base tântrica, a prática da
Terra Pura tem uma dupla interpretação. De um lado, expressa uma das mais
profundas concepções metafísicas do buddhismo. Aquilo que é a simples
recitação de um nome, uma prática muitas vezes relacionada com a oração em
outros caminhos espirituais, se entendida em seu aspecto mais profundo,
transforma-se em um valioso instrumento de desenvolvimento interior. O
nienfo (jap. nenbutsu), interpretado como invocação, é ainda hoje
praticado diariamente nos monastérios Zen da China, Coréia e Vietnã,
juntamente com a prática mais formal da meditação sentada. Curiosamente, o
Japão é o único lugar onde a prática Zen e a prática da Terra Pura se
separaram de forma mais extrema, apesar de uma terceira escola, bem menor em
número que a Sôtô e a Rinzai, e mais recente que estas, ter procedido
novamente sua reunião, a escola Ôbaku. Vários mestres recomendaram a prática
do nienfo, entre eles, Ashvaghosha, Nagarjuna e Vasubandhu, respectivamente
o décimo segundo, décimo quarto e vigésimo patriarcas da linhagem Ch'an
(Zen). (Ricardo Sasaki, O Caminho
Contemplativo) Ser conduzido ao nascimento na Terra Pura
significa o rompimento da pequena casca chamada "eu" que nos distingue dos
outros para sentir-se interligado a todos, em união (jap. ichinyo),
tornando-se alguém que "beneficia os seres vivos salvando-os tal como
desejamos". Por essa razão, só seremos salvos da tristeza e do vazio gerados
pelo amor finito, humano, confiando no grande caminho do voto original do
nenbutsu. Essa é "a compaixão da Terra Pura". [...] O voto original do
Buddha Amitabha nos dá o Namu Amida Butsu como a prática para o nascimento
na Terra Pura, propiciando o bem a quem não o possui e tornando-se a prática
de quem não a exerce, pra que todos os seres tornem-se um buddha, sem
discriminação. Recitar o nenbutsu confiando nesse voto não significa
recitá-lo para evitar o mal e praticar o bem, mas é simplesmente
emocionar-se e agradecer a intenção do Tathagata que nos salva, doando-nos o
nome sagrado, pleno de todas as virtudes. (Da introdução de Jitsuen Kakehashi
em Tannishô) A Terra Pura é um lugar ideal para praticarmos
até alcançar a iluminação completa. Muitas pessoas na Ásia praticam a
lembrança do Buddha (sânsc. buddha-nusmriti), refletindo sobre as
qualidades do Buddha — visualizando-o ou invocando o seu nome — para
renascer em sua Terra Pura. Durante o período da prática, vivem numa espécie
de refúgio nesse Buddha. Estão perto dele e também regam a si mesmas a
semente da condição de Buddha. Mas as Terras Puras são impermanentes. No
cristianismo, o Reino de Deus é o lugar para onde iremos na eternidade. Mas
no buddhismo, a Terra Pura é uma espécie de universidade onde praticamos por
algum tempo com um professor, nos formamos e depois voltamos cá, para dar
prosseguimento à nossa vida. Finalmente, descobrimos que a Terra Pura está
no nosso coração, que não precisamos ir para longe para encontrá-la. (Thich Nhat Hanh,
Living Buddha, Living Christ) Invocamos o nome de Buddha e a recordação de
Buddha para fazê-lo presente nas nossas mentes, para torná-lo parte dos
momentos da vida cotidiana. Buddha precisa que o amemos, que nos lembremos
dele, que o glorifiquemos? Não creio. Não penso que Buddha necessite de
amor. Podemos sentir amor por Buddha, do mesmo modo que sentimos amor por
nossos pais e mestres. Buddha é nosso mestre. É claro que sentimos admiração
pelo mestre, o Buddha. Ele praticou bem, ele tem coragem. Tem muita
compaixão, compreensão e é uma pessoa livre. Não sofre tanto quanto nós por
causa do seu elevado nível de compreensão, compaixão e bondade amorosa.
Vocês amam alguém quando este alguém necessita de vocês. Quando aquele
alguém sofre, o amor de vocês alivia o sofrimento. Seu amor contribui para
trazer felicidade. Este é o significado do amor. É fácil entender que os
seres que nos cercam, sofrendo, necessitam do nosso amor. Mas será que a
salvação, a liberação de vocês depende do seu amor por Buddha? Não penso
assim. [...] (Thich Nhat Hanh, Jesus e Buda,
Irmãos) No Japão, a expressão outro poder [jap. tariki]
é ouvida mais freqüentemente na frase o voto original do outro poder (jap.
tariki hongan). [...] Tariki hongan é um importante conceito
filosófico enraizado em uma visão de mundo extremamente vigorosa, e tem sido
uma fonte de energia constante para os que enfrentam uma crise. Embora contar com "o voto original do outro
poder" possa parecer implicar a dependência de um outro poder (Amitabha)
para a sua salvação, trata-se, na realidade, de uma idéia muito mais
radical. Uma vez que Dharmakara já atingiu a iluminação e se tornou
Amitabha, segue-se que nós todos já estamos iluminados. O verdadeiro
ensinamento da Terra Pura, então, não é obter o nascimento na Terra Pura
recitando o nome do Buddha (isto seria próprio poder, afinal de contas), mas
se dar conta, do fundo do próprio ser, de que já se é iluminado. A intensa
gratidão que se sente após passar por esta revelação espiritual expressa-se
na exclamação Namu Amida Butsu. O que faz do buddhismo Terra Pura uma filosofia
tão radical é o fato de que algo que a princípio parece ser um meio de
alcançar a iluminação (recitar o nome de Amitabha) é, simultaneamente, a
própria iluminação. Tariki hongan é uma filosofia que transcende o
tempo; ela salta todas as fronteiras, e, ao recitar o nome do Buddha, o
passado e o futuro são um só, praticar e alcançar são um só, sofrimento e
iluminação são um só. Não é uma filosofia de passividade e
irresponsabilidade, como a expressão passou a ser interpretada no Japão ao
longo dos séculos. É uma filosofia de atividade espiritual radical, de
revolução pessoal e existencial.
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