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O Caminho do Buddha Por: Rev. Shaku Shogyo (Gustavo Corrêa Pinto) A nobre verdade da dor, ó monges, é que o
nascimento é doloroso. Morrer é o destino inexorável de tudo que nasce.
Aquele que nasce, ao nascer começa a morrer. O ponto de partida já traz em
si mesmo o ponto de chegada. Onde se dá a vida, lá também habita o seu
contrário, a morte. Pois não há nascimento sem morte, alvorecer sem poente,
primavera sem outono. Em pares complementares de opostos se expõe o Real. A doença é dolorosa. A finitude acompanha-nos em nossa existência,
assim como o sal acompanha a água do mar. Entretanto raramente essa
companhia constante é verdadeiramente sentida, autenticamente vivida. A
cotidianeidade luta sempre para negar sua presença, fugir de sua verdade,
temendo o reconhecimento direto da mortalidade. A doença prenuncia a
presença da morte na vida, rompendo as defesas, sacudindo as ilusões
protetoras. A velhice é dolorosa. A sucessão inevitável das estações, experimentada
na totalidade do que somos, impõe e dispõe ao mistério e à escuridão de
sermos aqui mortais. E se a doença aparece como presságio esporádico da
Grande Noite, a velhice deita raízes definitivas, embebendo sempre mais
profundamente nossa existência deste saber tão temido e negado. Em sua
irreversibilidade radical, presentifica ainda mais claramente nossa
temporalidade, ensinando que "Fluindo, fluindo, fluindo, o rio da Existência
sempre segue adiante". (Kobodaishi) A morte é dolorosa. Iniludível, inadiável encontro final de todo
aquele que um dia nasceu, sobrevém sempre avassaladoramente trazendo a
afirmação absoluta da finitude. Desvela enfim, com plena certeza, o que já
indicavam o nascimento, a doença e a velhice. Desnuda a verdade simples,
sugerida em todos os instantes vividos pela inexorabilidade do passar, mas
da qual sempre fugíamos: a nossa condição de seres mortais e a esvanecência
de todos os fenômenos. Como as chamas do fogo ardendo na floresta
incendiada, assim também fluem todas as formas, passam todos os seres,
desfazem-se sempre todas as presenças, consomem-se todas as aparências. Não
há, pois, algo que mude; há apenas mudança. Transitoriedade, então, é o elo
que une nascimento, doença, velhice e morte. A nobre verdade sobre a origem da dor, ó
monges, é o apego. Apego é o desejo de reter, sustar o fluxo
ininterrupto do Real, é o anseio de parar a mutação para não ter de morrer.
É negar a realidade da mudança através de uma crescente insensibilização da
mente e do coração à percepção do fluir das formas. Vela-se, assim, o
conhecimento direto, espontâneo, imediato. Em seu lugar surge uma fantasia
estática que, supondo a disponibilidade por tempo indefinido do que existe
agora, alimenta uma vivência de pretensa eternidade. Mas nosso barco vai com
a corrente do tempo, ainda que viajemos de olhos fechados. Maya, a ilusão, é
essa pretensão vã do apego de que sua fantasia de imobilidade possa parar a
transformação que é o ser do Real. Um desejo sempre frustrado, ambição
sempre impossível, esforço sempre condenado a recomeçar e a fracassar. "Se
não acreditas, olha para setembro, olha para outubro. As folhas amarelecidas
caindo nos rios como nas montanhas..." (Zenrinkushu) Eis, ó monges, a nobre verdade sobre a
cessação da dor: é a completa superação do apego. O desapego, então, é que faz cessar a dor no
nascimento, na doença, na velhice como na morte. E o que é o desapego? É a
coincidência da mente e do coração com a mutação em que flui o Real.
Experimentando finalmente a transitoriedade tão temida, da qual tanto fugia,
deixando ser o passar, mudar, o ser humano descobre o mistério simples do
qual nunca se afastara. Encontra a solução do enigma impossível que nunca
existiu: aqui e agora nasce a única eternidade possível no mundo das formas,
que é também toda a plenitude almejada — o irrepetível instante presente. Se
ao início víamos que a morte habita inexoravelmente a casa da vida,
encontramos agora o reverso necessário: na casa da morte habita a vida. Tudo
passa, nada permanece, tudo é sempre novo. Em cada instante que fenece, um
outro instante desabrocha. O Universo é Poiesis (criação), e o homem
é Thaumazein (pasmo). Livre do apego, o existir descobre o êxtase do
momento que sempre, pela primeira e última vez, está sendo. O Buddha habita
o homem, como o lótus no lodo. Em toda parte se reflete a Terra Pura de
Amida, assim como a lua nos charcos, nas poças e no mar. Nada retorna, nada
se repete, nada é igual, não há Passado ou Futuro. Flui sempre e só o Eterno
rio do Presente. O Todo é sem forma, sem nome, apenas um vasto e luminoso
Vazio. Dele surgem os mundos, instantes inefáveis, que Nele também se
dissolvem.
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