Escola Nyingma de Budismo Vajrayana

A Escola Antiga (tib. Nyingma[-pa] / rNying ma [pa]) surgiu a partir das primeiras tradições budistas introduzidas no Tibet. Apesar de ter se tornado uma tradição distinta apenas no século XV, suas origens remontam ao século VIII, com a chegada dos mestres indianos Padmasambhava, Vimalamitra, Vairotsana e Shantarakshita. As outras três escolas do buddhismo tibetano Sakya, Kagyü e Gelug são coletivamente chamadas de Escolas Novas (tib. Sarma / gSar ma), pois utilizam textos de traduções relativamente recentes. A escola Nyingma utiliza as traduções mais antigas do budismo tibetano, anteriores à perseguição do rei Lang Darma no século IX.

O monastério Samye (tib. Sam yas), fundado em 779, foi o primeiro centro monástico do Tibet e iniciou a difusão dos ensinamentos das tradições que formariam a escola Nyingma. Segundo essas tradições, o buda Samantabhadra  (tib. Küntuzangpo / Kun tu bzang po) transmitiu ensinamentos da Grande Perfeição (tib. Dzogchen / rDzogs chen) ao buddha  Vjarasattva (tib. Dorje Sempa / rDo rje Sems 'dpa), e este para o indiano Garab Dorje (tib. dGa rabs rDo rje).

O indiano Vimalamitra (século VIII) levou esses ensinamentos da Índia ao Tibet, onde foram sintetizados pelo tibetano Longchenpa (tib. kLong chen pa, 1308-1364). Segundo ele,

As aparências da realidade são a sabedoria do caminho,
E paz presente, livre das projeções e dos afastamentos,
É o vazio instantâneo da pureza primordial [tib. trekchö / khregs chod].
A claridade espontânea deles, que é a sabedoria pura,
É o caminho direto [tib. thögal / thod rgal];
A união deles, a sabedoria pura,
É o caminho secreto da essência interior.
Quando todas as elaborações são pacificadas,
A sabedoria pura aparece normalmente.

arget="_blank"> O grande mestre desta escola foi Padmasambha (tib. Pemajungne / Pad ma 'byung nas, século VIII), também conhecido como o Mestre Precioso (tib. Guru Rinpoche / gu ru rin po che). Segundo suas biografias, Padmasambhava teria nascido (sânsc. sambhava) em um lótus (sânsc. padma), no país de Uddiyana (tib. Orgyen / O rgyan), entre o Afeganistão e o Paquistão.

Padmasambhava tornou-se um grande adepto (sânsc. mahasiddha) do buddhismo Vajrayana e viajou ao Tibet com o objetivo de pacificar "as divindades e demônios" do local e de introduzir os ensinamentos buddhistas no país.

A escola Nyingma classifica esses ensinamentos ensinamentos em nove veículos (sânsc. yana). Os três primeiros são chamados de veículos da causa (sânsc. hetuyana), e os seis últimos de veículos do resultado (sânsc. phalayana):

  1. Sharavaka-yana (o caminho dos ouvintes, ensinado às margens do rio Nairanjana);
  2. Pratyekabuddha-yana (o caminho dos realizadores solitários, ensinado no jardim de Ananda);
  3. Bodhisattva-yana (o caminho dos seres da iluminação, ensinado no pico Ghridakuta);

    Tantras externos:
  4. Kryia-tantra-yana (o caminho dos tantras de ação, ensinado em Varanasi);
  5. Charya-tantra-yana (o caminho dos tantras de atuação, ensinado no monte Sumeru);
  6. Yoga-tantra-yana (o caminho dos tantras de união, ensinado no monte Lohatunda);

    Tantras internos:
  7. Maha-yoga-yana (o caminho da grande união, ensinado ao rei de Zahor);
  8. Anu-yoga-yana (o caminho da suprema união, ensinado em Shitavana);
  9. Ati-yoga-yana (o caminho da Grande Perfeição, ensinado em Dharmakosha).

Os tantras externos enfatizam a purificação das ações, palavras e pensamentos. Os tantras internos do Maha-yoga e Anu-yoga enfatizam a transformação a transformação da percepção de de todos os fenômenos na dimensão pura de um mandala. Já os ensinamentos do Ati-yoga ou Grande Perfeição (tib. Dzogchen/ rDzogs chen) enfatizam a autoliberação de todos os fenômenos em sua verdadeira natureza.

Na escola Nyingma, a Grande Perfeição é considerada o ensinamento supremo do budismo esotérico, através da linhagem de transmissão direta de mente a mente, os ensinamentos teriam sido transmitidos por Samantabhadra a Vajrasattva. Vajrasattva então teria transmitido os 6.4000.000 versos de ensinamentos da Grande Perfeição a Garab Dorje. Depois, através da linhagem de transmissão através de sinais, Garab Dorje transmitiu os ensinamentos a Manjushrimitra, continuando com Shrisimha, Jnanasutra, Vimalamitra e Padmasambhava. Finalmente, através da linhagem de transmissão oral, os ensinamentos foram transmitidos por Vimalamitra e Padmasambhava ao rei Trisong Detsen, a Yeshe Tsogyal e ao tradutor Vairotsana, entre outros.

Os ensinamentos Dzogchen não são uma filosofia, nem uma doutrina religiosa, nem uma tradição cultural. Compreender a mensagem dos ensinamentos significa descobrir a própria condição, despida de todas as decepções e falsificações que mente cria. O próprio significado do termo tibetano Dzogchen, Grande Perfeição, refere-se ao verdadeiro estado primordial de todo indivíduo e não a uma realidade transcendental. [...] [No Dzogchen, existe a transferência no corpo de arco-íris.] Essa realização específica, que foi realmente feita por mestres como Padmasambhava, Vimalamitra e Tapihritsa na tradição Bön, envolve a transferência ou reabsorção, sem uma morte física, do corpo material na essência luminosa dos elementos; nesta realização, o corpo desaparece do campo de visão dos seres comuns. Se for possível realizar este corpo de arco-íris durante a vida, ainda é possível fazê-lo após a morte, como tem acontecido com muitos praticantes de Dzogchen no Tibet em tempos recentes. [...] O corpo de arco-íris é a realização suprema do Dzogchen.

(Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)

A verdadeira natureza da mente é uma pureza original completa em si mesma, não precisando ser incrementada por qualquer modo. Quando tentamos olhar para a mente, não conseguimos encontrar nada. Uma pessoa à qual falta visão não irá descobrir nada, e tampouco irá um ser iluminado. Não obstante, tudo o que se manifesta é a atividade, o jogo da mente, por nenhum modo separado da mente, do mesmo modo que as ondas não estão separadas do mar.

Dentro da natureza da mente, samsara e nirvana estão completos. A própria iluminação não está além dessa natureza. Esse estado completo que inclui todo o samsara, o nirvana, a própria iluminação é o âmbito da Grande Perfeição. [...] Portanto, o fundamento da Grande Perfeição é essa grande consumação. O caminho é o processo de remoção daquilo que obscurece a natureza fundamental da mente. E o fruto é a realização plena dessa natureza fundamental, quando inteiramente revelada. [...]

Em minha vida, testemunhei quatro pessoas alcançando o corpo de arco-íris na hora da morte; elas não moravam em monastérios, mas viviam com suas famílias. Quando tinha vinte e dois anos, presenciei um homem alcançar o corpo de arco-íris, e a maioria das pessoas sequer sabia que ele fazia prática espiritual. Não é o corpo que alteramos para nos tornarmos iluminados é a mente.

(Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista)

Manjushrimitra dividiu os tantras da Grande Perfeição em três classes:

  • Classe da Mente (tib. Semde / Sems sde), ensinamentos que enfatizam o modo como a mente "permanece", estabelecendo que os fenômenos não estão além da mente. Esta classe geralmente é associada à transmissão oral.
  • Classe do Espaço (tib. Longde / kLong sde): ensinamentos que enfatizam a liberdade de esforços, estabelecendo que os fenômenos não estão além do espaço básico. Esta classe geralmente é associada à transmissão simbólica.
  • Classe das Instruções Essenciais (tib. Mengagde / Man ngag sde), ensinamentos que enfatizam os pontos essenciais da prática, estabelecendo diretamente a natureza dos fenômenos em si. Enfatizam a inseparabilidade dos estágios de geração e perfeição. Shrisimha dividiu esta em quatro ciclos — o ciclo externo, o interno, o esotérico e o mais esotérico (tib. Nyingthig/ sNying thig). Esta classe geralmente é associada à transmissão direta de mente à mente.

Através da prática do trekchö (tib. Khreg Chod, "cortar através") no Dzogchen em geral e especialmente no Nyingthig, muitos meditadores realizam a natureza intrínseca de suas mentes e rapidamente fundem suas mentes na natureza última, o estado búddhico, nesta mesma vida. Na hora da morte, com raios, auras e círculos de luz, muitos dissolvem seus corpos mortais, deixando para trás apenas o seu cabelo e unhas. É chamado o atingimento do corpo de arco-íris ou corpos de luz de arco-íris (tib. Jalü/ 'Ja lus), pois luzes aparecerem durante o processo de dissolução e o corpo de luz de sabedoria do sambhogakaya é atingido. Através da prática de thögal (tib. Thod rgal) do Nyingthig, grandes meditadores também atingem o estado búddhico e na hora da morte muitos transformam seus corpos mortais em corpos de luz e permanecem neles, visíveis apenas para os seres realizados enquanto desejarem. Isto é chamado o corpo de arco-íris da grande transformação (tib. Jalü P'howa Chenpo/ 'Ja lus 'Pho ba Chen Po). [...]

Em todos os tantras internos [Mahayoga, Anuyoga, Atiyoga], os iniciados praticam ambos os estágios ou a união dos dois estágios — o estágio de desenvolvimento e o estágio de perfeição. Mas às vezes os três tantras internos são também caracterizados por serem do estágio de desenvolvimento, do estágio da perfeição, e do estágio da grande perfeição. Entretanto, há diferenças na ênfase na Visão e Meditação e na rapidez dos resultados.

No Mahayoga, os iniciados enfatizam principalmente o estágio de desenvolvimento, a visualização da mandala da divindade. Visualizando os existentes fenomenais como divindades e suas terras puras, corpos, elementos, faculdades e assim por diante, como as divindades eles purificam as cinco energias (ou ares) dos cinco elementos e transformam os fenômenos delusórios na terra búdica. Como resultado, eles atingem a sabedoria do êxtase, da claridade e liberdade de conceitos. Atingem a liberação para si mesmos nesta mesma vida e são capazes de realizar as necessidades dos outros. No Mahayoga há duas categorias de ensinamentos: tantra e sadhana. [...] A categoria sadhana também tem duas divisões: kama, as escrituras canônicas, e terma, os tesouros ocultos revelados.. [...]

No Anuyoga, todo o universo é visto como o Buda em sua verdadeira natureza, a esfera última, mas não muita ênfase é colocada no estágio de desenvolvimento. O Anuyoga concentra-se nos estágios de perfeição de gerar a sabedoria de êxtase, claridade e liberdade dos conceitos pelo treinamento dos canais [sânsc. dhuti], energia (ar) [sânsc. prana] e essência [sânsc. bindu] do próprio corpo-vajra. Depois de preparar o próprio corpo como meios hábeis, o grande êxtase da alegria quádrupla é também gerado com o suporte da mandala do mudra. Como resultado, a iluminação é atingida. [No Anuyoga há duas categorias de ensinamentos: sutra, diferente dos sutras dos outros veículos; e lung, preceitos sagrados ou autorização.] [...]

O Atiyoga enfatiza a realização e perfeição da sabedoria primordial clara espontaneamente presente, a natureza última de nossa mente e do universo, livre de quaisquer conceitos, parcialidade, dimensões e designações de pluralidade ou singularidade. Como resultado, não apenas nossa mente se une com o estado búddhico, a natureza última, mas até mesmo nosso corpo mortal dissolve-se em um corpo de luz de sabedoria.

(Tulku Thondup, Masters of Meditation and Miracles)

Além da transmissão oral (tib. kama / bka' ma) de ensinamentos, esta escola também utiliza a transmissão através de tesouros (tib. terma / gter ma), escondidos principalmente por Padmasambhava e sua consorte, Yeshe Tsogyal (tib. Ye shes mTsho rgyal, 757-817). Os tesouros da terra (tib. sater / sa gter) podem ser manuscritos, relíquias, objetos e até elementos naturais, guardados em locais secretos e descobertos na época apropriada por pessoas especiais, tertöns (tib. gter ston), profetizados por aqueles que esconderam os tesouros. Em outra categoria, tesouro do espaço (tib. longter / klong gter), os ensinamentos ficariam guardados secretamente na própria mente dos tertöns, surgindo na época apropriada.

[Os termas] são escrituras que foram deliberadamente escondidas e descobertas em sucessivos momentos apropriados por mestres realizados, através do seu poder iluminado. Os termas são ensinamentos que representam uma profunda, autêntica e poderosa forma tântrica do treinamento buddhista. Centenas de tertöns, os descobridores dos tesouros de Dharma, encontraram milhares de volumes de escrituras e objetos sagrados, escondidos na terra, na água, no céu, nas montanhas, nas rochas e na mente. Praticando estes ensinamentos, muitos de seus seguidores alcançaram o estado de iluminação completa, o estado búddhico. Várias escolas do buddhismo no Tibet têm termas, mas a escola Nyingma tem a tradição mais rica.

(Tulku Thondup, Hidden Teachings of Tibet)

As transmissões de tesouros são canalizadas através de seis linhagens: [1] a transmissão de mente iluminada para mente iluminada dos buddhas; [2] transmissão de indicação [ou simbólica] dos detentores do conhecimento; [3] transmissão oral dos discípulos comuns; [4] transmissão da iniciação aspiracional, ou transmissão do mandato da mente; [5] transmissão através de autorização profética; e [6] transmissão às dakinis.

(Tulku Thondup, Masters of Meditaiton and Miracles)

Os primeiros tertöns foram Sangye Lama e Drapa Ngösho (século XI). Nyang Ral Nyima Özer (1124-1192), Chökyi Wangchug (1212-1270) e Rigdzin Gödem (1337-1409) foram os "três grandes tertöns", considerados emanações da mente, fala e corpo de Padmasambhava. Posteriormente, apareceram Örgyen Lingpa (1323-1360), Sangye Lingpa (1340-1396), Dorje Lingpa (1346-1405), Karma Lingpa (século XIV), Ratna Lingpa (1403-1479), Pema Lingpa (1445/50-1521), Terdag Lingpa (1634/1646-1714), Jigme Lingpa (1729-1798), Pema Ösel Dongag Lingpa (ou Jamyang Khyentse Wangpo, 1820-1892) e Terchen Chögyur Dechen Shigpo Lingpa (1829-1870).

Um dos tesouros mais conhecidos, revelado por Karma Lingpa, é o livro da Liberação através do Ouvir no Estado Intermediário (tib. Bardo Thödröl / Bar do Thos sgrol), mais conhecido no ocidente como o "Livro Tibetano dos Mortos" (em alusão ao Livros dos Mortos dos egípcios, porém sem qualquer relação direta entre eles). Ainda hoje, existem muitos termas a serem descobertos, revitalizando e atualizando constantemente os ensinamentos da escola Nyingma.

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