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Iniciação no Budismo Esotérico
- |A Transmissão das Bênçãos
Apesar de geralmente ser traduzida como
iniciação, a palavra abhisheka em sânscrito e o seu
equivalente tibetano, wang kur (tib. dbang bskur) significam
ordenação, transmissão de poder. Em sânscrito, também é usada
para se referir a consagração, coroação, entronização e
aspersão de água. Nos últimos anos, muitos autores têm traduzido
estas palavras para o inglês como empowerment ao invés da já
costumeira initiation. Seja como for, as iniciações são cerimônias em que o mestre-vajra
(tib. vajracharya, tib. dorje lopön / rdo rje slob spon)
autoriza seus alunos a ouvir, estudar e praticar os ensinamentos do budismo
esotérico. Assim como uma cerimônia de casamento representa a união de duas
pessoas, uma cerimônia de iniciação é a união das bênçãos de um mestre
(sânsc. guru) realizado como a devoção e receptividade de um
discípulo (sânsc. chela, adhikarin). Portanto, receber a
iniciação de um professor qualificado é essencial para a prática do
buddhismo Vajrayana. Diz-se que, se o discípulo considerar o mestre como uma
pessoa comum, ele receberá as bênçãos de uma pessoa comum; se vê-lo como um
amigo, receberá as bênçãos de um amigo; mas se vê-lo como um buddha,
receberá as bênçãos de um buda. O objetivo da cerimônia é o de amadurecer o praticante, revelar o
seu próprio estado búddhico (sânsc. tathagatagarbha,
sugatagarbha) e plantar a semente para a iluminação. Após recebê-la, o
praticante deve cultivar este semente através da prática cotidiana. Durante
a iniciação, o praticante assume externamente o voto de liberação
individual (sânsc. pratimoksha), a renúncia ao samsara.
Internamente, ele gera a mente da iluminação (sânsc. bodhichitta)
e assume o voto de bodhisattva — a aspiração de levar todos os seres à
liberação. Secretamente, ele assume o compromisso (sânsc. samaya)
de manter a prática do Budismo Esotérico. Muitas vezes, a iniciação tântrica é um rito complexo, envolvendo
visualizações detalhadas, preces e súplicas, implementos rituais especiais e
substâncias. O objetivo é estabelecer o iniciado na disposição adequada da
mente, forjar um elo kármico com o lama e com a divindade meditacional,
purificar negatividades, dar a permissão para praticar um tantra específico
e dar a instrução de como isso deve ser feito. (John Powers, Introduction to Tibetan
Buddhism) Receber uma iniciação é como plantar uma semente. Com as condições
corretas, posteriormente esta semente irá florescer e crescer na iluminação.
Durante a iniciação, cada um das três portas [corpo, fala e mente] é
abençoada individualmente; assim, há uma iniciação do corpo, uma iniciação
da fala e uma iniciação da mente. Deste modo, as máculas de cada uma das
três portas são purificadas e você é autorizado a se visualizar na forma da
divindade, a recitar o mantra da divindade e a meditar sobre a mente da
divindade. (Ngawang Phuntsok, On Receiving Wang) O equivalente sânscrito de "iniciação" é abhisheka, que
significa "espargir", "verter", "unção". E para se verter é preciso que haja
um vaso onde passa cair o líquido vertido. Se nos comprometemos realmente,
abrindo-nos para nosso amigo espiritual de maneira apropriada e completa,
transformando-nos num vaso que possa receber a comunicação, ele também se
abrirá, e então a iniciação ocorre. Este é o significado do abhisheka, ou "o
encontro das duas mentes", a do mestre e a do discípulo. (Chögyam Trungpa Rinpoche, Além do Materialismo
Espiritual) Para praticar as visualizações e se engajar na sadhana, ou prática
do tantra, é necessário receber a autorização adequada ou abhisheka.
Segundo Jamgön Kongtrül, o Grande, a palavra abhisheka deriva de duas
fontes diferentes. A primeira é abhikensa, que significa "aspersão".
Faz parte de cada autorização individual que recebemos e simboliza a
purificação das impurezas. A outra palavra é abhikenta, que significa
"pôr alguma coisa em um recipiente". Segundo Jamgön Kongtrül, isso significa
que quando a mente se livrar das impurezas, as qualidades de sabedoria
poderão ser colocadas nela. Assim, a conotação real de abhisheka é
autorização. Essa autorização é que dá eficácia à nossa prática. (Traleg Kyabgon Rinpoche, The Essence
of Buddhism) Uma cerimônia típica é dividida em
quatro iniciações (tib. wang shi / dbang bzhi):
Conceder e receber uma iniciação é muito
importante, então [também] é muito importante manter a atitude adequada.
Algumas pessoas parecer ir às iniciações como se simplesmente estivessem
fazendo uma coleção, dizendo orgulhosamente aos seus amigos sobre suas
últimas aquisições. Esta atitude é como jogar todos os preceitos e
iniciações no lixo. É apenas uma perda. (Citado por Gyatrul Rinpoche em Naked Awareness) Na tradição do Budismo Esotérico, precisamos primeiro receber a
iniciação para amadurecer a mente e criar receptividade aos ensinamentos e à
prática. Sem iniciação, não estamos autorizados a ouvir os ensinamentos nem
a praticar, pois nossos esforços não seriam mais frutíferos do que moer
areia para obter óleo. Recebemos a iniciação básica de um lama que detenha a linhagem da
prática. Ela não pode ser dada unicamente através de palavras e substâncias,
pois da mesma forma que apenas um rei possui o poder necessário para
entronizar um sucessor, apenas um lama que detenha a linhagem e tenha
consumado a prática pode iniciar uma outra pessoa. Através da força da
meditação, recitação de mantras e do uso simbólico de substâncias, somos
iniciados tanto nas práticas do estágio do desenvolvimento e da consumação,
quanto no reconhecimento do corpo, fala e mente da divindade, bem como da
nossa natureza absoluta. (Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática
Budista) A primeira qualificação [para se receber uma iniciação] é a da
bodhichitta, a aspiração altruísta à mais elevada iluminação e que
estima mais os outros do que a si mesma. Aqui é dito que o melhor discípulo
permanece em uma experiência genuína desta mente sublime; o discípulo
mediano teve um pequeno lampejo dela em suas meditações; o inferior deve ter
pelo menos uma apreciação por ela e ter interesse em desenvolvê-la. (Dalai
Lama, Concerning the Kalachakra
Initiation) Um exemplo de iniciação
Na maioria de todas as tradições
tântricas do Budismo Esotérico, uma iniciação é dada apenas a um número de
pessoas relativamente pequeno. A iniciação de Kalachakra é a única exceção
entre os sistemas meditacionais superiores (sânsc. Anuttara Yoga Tantra)
e é concedida abertamente ao público, sem pré-requisitos ou práticas
preliminares. A cerimônia completa dura geralmente 12 dias. Primeiro, há 8 dias de cerimônias preparatórias, durante os quais
os monges constróem a mandala de Kalachakra com areia. Na iniciação, o
mestre concede aos alunos a permissão para que pratiquem as yogas, ou
meditações do Kalachakra Tantra. O mestre realiza o seu voto de transmitir
os ensinamentos da linhagem de Kalachakra para trazer benefício a todos os
seres; e os alunos fazem o voto de respeitar e manter estes ensinamentos. O
compromisso dos alunos pode variar: muitos participam da iniciação apenar
para receber as bênçãos, e alguns se comprometem a praticar as meditações
diariamente, o que poderá levar a maiores resultados. No primeiro dia, um representante dos estudantes pede ao mestre
para dar a iniciação, e ele consente, mostrando sua compaixão pelos alunos.
O mestre pede então a permissão dos espíritos locais para que ele possam
utilizar a sua morada. Geralmente, alguns espíritos não cooperam... então os
monges realizam a dança da terra, fazendo gestos simbólicos com as mãos e
pés. As preces, músicas e danças pacificam todos os espíritos que poderiam
interferir. Após as danças, o mestre recebe a permissão para prosseguir com a
cerimônia do Tenma, para todos os espíritos locais. A Mandala, que
simbolicamente abriga 722 divindades, é protegida por punhais (sânsc.
kila, tib. phur ba / purba) simbólicos. Todos os objetos usados durante a cerimônia, inclusive aqueles
usados para construir a mandala, são abençoados pelo mestre. Para começar a
construir a mandala, desenha-se o rascunho com cordas cerimoniais, banhadas
com giz líquido de cor branca. Sobre a base da mandala, o mestre segura uma
ponta da corda, enquanto um monge assistente segura a outra ponta. O mestre
então puxa a corda para cima e solta, fazendo com que a batida marque um
traço de giz sobre a base da mandala. Cada estalada da corda soa como uma
bênção do Buda para a construção da mandala. Todo o processo de marcação das
linhas-guia demora dois dias. No terceiro dia, o mestre joga gotas de água com açafrão sobre a
plataforma da mandala, apagando algumas linhas e abrindo caminho para as 722
divindades entrarem. As almofadas das divindades são simbolicamente
representadas por grãos de trigo, que são colocados na mandala. Fazendo três
linhas paralelas, o mestre então coloca os primeiros grãos de areia, de cor
branca, vermelha e preta, representando respectivamente o corpo, a fala e a
mente de Buda. Os monges continuam a colocar os grãos de areia e completam a
mandala, que ao final terá mais de Quando a mandala é completada, vasos sagrados são colocados ao seu
redor e ela é cercada por cortinas, para que não seja vista antes do momento
apropriado. O mestre agradece à cooperação dos espíritos e divindades com
oferendas, e os monges tocam músicas sagradas com sinos, gongos, tambores e
trombetas, além de dançarem por uma hora e meia. No nono dia, após as preces e meditações do mestre e dos monges, os
alunos chegam pela primeira vez. Aqueles que querem ser iniciados fazem o
voto de ter compaixão por todos os seres sencientes, de trabalhar pelo
benefício de todos eles, e de nunca revelar os segredos da mandala. São
dadas duas folhas de grama kusha a cada aluno — o mesmo tipo de grama
sobre o qual o Buddha se sentou ao alcançar a iluminação, sob a árvore de
Bodhi. Essas folhas serão guardadas posteriormente sob os colchões e
travesseiros dos alunos, para ajudá-los a lembrar e estudar os seus sonhos.
São dadas também as cordas de proteção, que são amarradas em um dos
antebraços. No décimo dia, após algumas cerimônias preliminares, começa a
iniciação. Os alunos colocam na testa uma venda vermelha, simbolizando a
ignorância, a imaturidade espiritual. Depois dos alunos fazerem os votos de
bom comportamento, o mestre pede à divindade Kalachakra para que abra os
olhos deles. Os alunos então retiram as vendas, destruindo as trevas da
ignorância e se tornando aptos a "ver" a mandala de Kalachakra. Então, o mestre confere as sete iniciações do "entrar como uma
criança", para que os alunos "renasçam" como seres ideais e entrem no mundo
perfeito da mandala. Cada iniciação corresponde a um evento significativo na
vida de uma criança: receber um nome, tomar o primeiro banho, o primeiro
corte de cabelo, o primeiro contato dos cinco sentidos, furar as orelhas
para colocar brincos, dizer a primeira palavra, e aprender a ler. Após o "renascimento", os alunos entram no mundo ideal de
Kalachakra, a Roda do Tempo — um universo iluminado, governado pela
divindade Kalachakra. Os alunos podem então ver a mandala de areia, a morada
de 722 divindades. Cada um dos quatro rostos da divindade olha para uma
direção, e são representados simbolicamente na mandala pelos quatro
quadrantes coloridos: preto ou azul no oeste (abaixo); vermelho no sul
(esquerda); amarelo ou laranja no oeste (acima); e branco no norte
(direita). A mandala é plana, mas representa várias plataformas quadradas de
um palácio tridimensional. Com o mestre servindo de guia no caminho para
iluminação, os iniciados "entram" no palácio pelo portão do leste, chegando
à mandala do corpo iluminado. A próxima entrada leva ao segundo andar, a
mandala da fala iluminada, e assim sucessivamente, passando pelas mandalas
da mente iluminada, da sabedoria e do grande êxtase. Este é o nível mais
elevado do palácio, onde estão a divindade Kalachakra e sua consorte
feminina, Vishvamata, no centro de um lótus com oito pétalas. Juntos,
Kalachakra e Vishvamata simbolizam a iluminação completa, insuperável e
perfeita, a união indissociável da sabedoria e da compaixão. Na última parte da cerimônia, o mestre agradece às 722 divindades
com preces e pede para que retornem a suas terras puras. Com um centro
vajra, ele corta a mandala, e a areia é amontoada no centro da
plataforma. Na cerimônia final, a areia é colocada em um vaso e transportada
até um rio próximo, onde é despejada para espalhar as bênçãos a todos os
seres. Apesar de estarem em um mundo imperfeito, os alunos passam a
cultivar as qualidades perfeitas dos três segredos — ou seja, as qualidades
do corpo iluminado, da fala iluminada e da mente iluminada. Ao purificar os
três segredos, pode-se encontrar a verdadeira paz interior, a verdadeira
sabedoria, o verdadeiro êxtase. E, ao encontrar a paz interior, pode-se
encontrar também a paz exterior. A mandala desaparece da visão, mas
permanece para sempre na memória daqueles que entraram em seu reino
iluminado.s) Leia nossos textos para sua evolução espiritual, eles são espirituais, ou uma sugestão de luz: leia um texto nosso semanalmente. Conheça o texto: Como Evoluir Espiritualmente. |