YIDAMS, A FONTE DAS REALIZAÇÕES

Os métodos especiais do budismo esotérico visam trazer as aparências, que nós geralmente experienciamos como impuras, para um nível puro. O ponto central dessa transformação é o entendimento que apenas no nível relativo todos os fenômenos aparecem como nós os experimentamos. No nível absoluto, eles não possuem uma real existência — eles são apenas um sonho, uma ilusão. Se alguém entende a essência pura de todas as coisas, isso por si mesmo se torna a experiência de sua pureza.

 
Não é possível transformar experiências impuras em puras apenas recitando um mantra a fim de mudar o fenômeno. Nem também através de substâncias especiais que possuam tais poderes, ou através de oferendas a determinados deuses que em contrapartida irão nos ajudar. Tudo isso não tem nada a ver com o budismo esotérico. O que buscamos é desenvolver o entendimento que o mundo das aparências não se apresenta como confusão; é o nosso apego às coisas que nos traz essa confusão. A fim de experimentar a pureza de todas as coisas, não há mais nada a fazer senão entender que no nível relativo as coisas aparecem devido a várias condições e devido a ocorrência dependente, mas no nível absoluto elas não possuem uma existência verdadeira. Esses dois aspectos não são separados um do outro.

Qual o significado de "aparências impuras" ou "aparências puras"? "Impuro" se refere a nossa crença que todas coisas são reais e existem independentemente umas das outras. Crer que as coisas possuem uma existência verdadeira é uma visão extrema que não é correta porque a natureza de todas as coisas é vacuidade. Se alguém deseja reconhecer a vacuidade de todos os fenômenos não basta aceitar o que foi dito. Na verdade, seria muito difícil entender a verdadeira natureza das coisas simplesmente falando ou ouvindo sobre ela.

Não é a mera aparência das coisas que traz a confusão, mas é a forma como nos relacionamos com essas coisas e o apego a elas como sendo reais. Uma vez que as coisas por si mesmas são vazias, elas estão além das categorias de surgimento e cessação. O fato delas aparecerem é o aspecto da auto expressão desobstruída. Os vários métodos do budismo esotérico são usados para que se possa entender isso. Para a prática do budismo esotérico é necessária a visão que as coisas só aparecem no nível relativo embora na sua verdadeira natureza não possuam real existência. Entretanto, ainda se acredita que as coisas são reais. Essas são duas perspectivas diferentes, e o que se busca é conectar ambas de forma que elas não se contradigam constantemente. Os diferentes métodos budismo esotérico, como por exemplo a meditação nos aspectos do Buda (tib. yidam, lit. mente- compromisso) e os mantras são usados para eliminar essas aparentes contradições.

Entre as "três raízes" do budismo esotérico — lama, yidam e protetor [dharmapala / dakini] — o lama é o mais importante; yidam e protetor são manifestações do lama. A mente do lama é Dharmakaya, a vacuidade do espaço. O yidam aparece fora disso como uma expressão da compaixão e claridade inerente da mente. Portanto ele não possuí a existência verdadeira atribuída aos deuses mundanos.

A razão dos yidams aparecerem em diferentes formas, por exemplo pacífica e enérgica (irada), é devido aos praticantes possuírem diferentes atitudes, visões e aspirações. A fim de satisfazer esses diferentes desejos, existem diferentes aparências dos yidams como uma expressão da compaixão do lama. Os yidams também aparecem em tantas formas diferentes a fim de simbolizar que todo o espectro de nosso apego às aparências impuras é purificado.

Agora, nós temos uma percepção dualista e estamos sempre pensando em categorias dualistas. Portanto, nós não somos capazes de nos relacionar com o yidam definitivo e precisamos de algo que o represente. As muitas formas de yidam que conhecemos de quadros são dessa forma símbolos do yidam definitivo. A meditação nas divindades yidam são divididas em duas fases, a chamada fase de desenvolvimento (tib. kyerim) e a fase de consumação (tib. dzogrim). O significado é o seguinte.

Todas as aparências surgem de uma dependência mútua. Algo aparece em determinado tempo, permanece por um pouco e desaparece novamente. As duas fases da meditação são usadas a fim de simbolizar que o principio de surgimento e desaparecimento permanecem até o nível puro. O surgimento da divindade simboliza que o apego ao surgimento do mundo comumente experienciado é purificado. A fase de desenvolvimento possuí diferentes elementos: primeiro a pessoa visualiza a si mesma como a divindade, depois a pessoa visualiza a divindade no espaço em frente de si mesma e faz oferendas, preces, etc. A razão da pessoa se visualizar primeiramente como yidam é a seguinte: nós todos nos consideramos muito importantes. Se agora alguém nos diz, "Você não possui existência real", é difícil para nós entendermos e aceitarmos. Na fase de desenvolvimento se lida com isso de uma forma em que não pensa se existe ou não, mas simplesmente se é indiferente a essa questão e se visualiza na forma da divindade. Se a pessoa se visualiza como a divindade, sabendo que o yidam é uma expressão da pureza completa, o apego ao "eu" desaparece naturalmente.

A visualização do yidam no espaço a sua frente trabalha de uma forma similar. Nesse instante nos apegamos a todos objetos externos que percebemos. Na fase de desenvolvimento visualizamos todo o mundo externo como o palácio da divindade. O yidam está no meio desse palácio, e todos os seres aparecem na forma do yidam. Pela visualização das aparências impuras na sua forma pura o apego é superado.

Portanto, é importante entender que todos os elementos da fase de desenvolvimento possui um conteúdo simbólico. Sem esse entendimento, por exemplo se acreditar que a divindade possuí uma existência real, o praticante apenas se confunde e aumenta a ilusão. Ao se utilizar das diversas fases de desenvolvimento e consumação dos yidams é importante saber o significado das diferentes formas. Por que, por exemplo, se visualiza dezesseis braços, quatro pernas, etc. se duas são na verdade suficientes? Acreditar que nós devemos visualizar assim porque na verdade os yidams possuem essa aparência seria um mal-entendido. Acreditar na verdadeira existência do yidam é um pouco ridículo e muito confuso. Ao invés disso devemos entender que há algo que é purificado e algo que é um método de purificação. A visualização do yidam com quatro braços, por exemplo, é um símbolo para purificar nosso modo geral de experienciar as coisas na assim chamada categoria quadrupla. Por exemplo os quatro elementos e tudo mais que acreditamos se apresentar de forma quadrupla. Os três olhos do yidam simbolizam a superação de nosso modo de pensar em categorias triplas. Por exemplo os três tempos. O mesmo se aplica em todos os outros detalhes da divindade; todos eles tem o significado de purificar nosso apego comum ao mundo que nós experimentamos.

Sem esse entendimento conclui-se a meditação cheio de conceitos errados. Ou acreditando nas coisas como verdadeiras ou como não existentes. Dessa forma se entra em um caminho totalmente errado, que nada tem a ver com o budismo esotérico ou com o budismo. Acreditar na existência real dos yidams ou não entender que eles são símbolos da purificação de nossas idéias conceituais acerca do mundo experienciado, apenas aumenta os conceitos. Possui o efeito das ilusões, que a pessoa já possui, tornando-as mais fortes, o que pode levar a experiências de medo durante a meditação ou ao aparecimento de pensamentos com os quais não se sabe lidar. Portanto, é muito importante na prática da meditação, especialmente no budismo esotérico, adquirir uma visão correta.

E o que é essa visão correta? É o entendimento que a aparência relativa das coisas e sua realidade ultima são uma unidade, que elas não são separadas uma da outra e não se contradizem.

As fases de desenvolvimento das divindades yidam correspondem a verdade relativa, ao modo como as coisas se apresentam. A fase da consumação corresponde ao princípio que as coisas em essência não possuem uma existência verdadeira. Ao mesmo tempo deve se ter o entendimento que ambas formam uma unidade.

A fase de consumação é usada para evitar cair na visão extrema de acreditar que as coisas possuem existência verdadeira. A fase de desenvolvimento previne a visão extrema de acreditar que as coisas não existem de forma alguma, que apenas são vazias. O entendimento que ambas formam uma unidade permite entender que tudo é a união de alegria e vacuidade. Meditando dessa forma, através da prática do yidam, a realização relativa e última pode ser obtida. Nesse sentido, o yidam é chamado "a raiz das realizações".

Os protetores, "a raiz da atividade", podem ser vistos da mesma forma que as diferentes expressões do yidam, sendo novamente a expressão da mente Dharmadhatu do lama. O significado dos protetores, uma vez que o budismo esotérico é um caminho muito profundo, é proteger das muitas circunstâncias conflitantes e obstáculos que podem aparecer no caminho. Yidams e protetores são muito comuns no budismo esotérico, entretanto o lama, a raiz das bênçãos, é o elemento mais importante. A razão é que apenas através do lama as bênçãos e inspirações podem entrar no fluxo mental de alguém.

Todos os elementos que são usados no caminho budismo esotérico tem um significado profundo. O corpo do yidam é a união de aparência e vacuidade, o mantra é a união som e vacuidade, a mente é a união de atenção plena e vacuidade. Se alguém aplica esses elementos à sua própria prática, mediante perpetuar completamente essa atenção plena, pode permitir que o orgulho da divindade surja em si mesmo. Mas para se obter esse resultado deve se entender o significado dessas coisas. Não é simplesmente visualizando a si mesmo como divindade, porque pela mera visualização não se atinge o entendimento.

Os praticantes devem entender três coisas. A visão que ambas formas de realidade compõem uma unidade inseparável. Para o caminho, o entendimento que método e sabedoria são uma unidade é importante. Com respeito ao fruto, é necessário entender que os dois kayas que são obtidos são uma unidade. Especialmente quando se pratica o Mahamudra ou o Maha Ati, o entendimento desses três elementos é muito importante. Caso contrário, não se pode obter o fruto através dessa prática.

O que dizer do "yidam último"? Chenrezig por exemplo aparece numa forma específica, com quatro braços, etc. Entretanto esse não é o aspecto último desse yidam; é apenas como ele aparece. O yidam último é o entendimento que a expressão de Chenrezig é a compaixão de todos os Buddhas.

A forma de Dorje P'hagmo é uma forma simbólica. Dorje P'hagmo definitiva é o entendimento que o espaço dos fenômenos é a mais elevada sabedoria transcendente, a mãe de todos os Budas que dá nascimento para todos os Budas. Ela é a perfeição da sabedoria [Prajna Paramita].

(Jamgön Kongtrül Rinpoche)

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