A FÉ QUE CURA
Por: Ariana Pereira -
arianapereira@gmail.com
Matéria publicada na Revista Bem-Estar.
É comum, independente de crença, que as pessoas rezem umas pelas outras
quando alguém está doente ou em uma situação que, de alguma forma, esteja
relacionada à saúde, seja uma cirurgia ou um tratamento complicado. Há
mais de 25 anos, o epidemiologista social Jeff Levin dedica-se ao estudo
da relação entre religião e saúde. O norte-americano publicou um livro em
que trata dos resultados das pesquisas que realizou sobre o assunto:
“Deus, fé e saúde” (editora Cultrix). Entre os dados intrigantes
demonstrados pelo autor está o de um estudo em que dois grupos de
pacientes de um cardiologista foram monitorados durante um determinado
período. Pessoas que não os conheciam ficaram responsáveis por rezar pela
saúde cardíaca dos indivíduos de um dos grupos. De acordo com Levin, os
pacientes pelos quais se rezaram, se comparados ao outro grupo,
apresentaram menor incidência de deficiências cardíacas congestivas,
paradas cardiopulmonares e pneumonia, além de menos necessidade de
diuréticos, antibióticos e intubação do que os do grupo que foi apenas
acompanhado clinicamente. Para o médico, os resultados da pesquisa
realizada pelo dr. Randolph Byrd levam a crer que a oração de intercessão
exerce um efeito terapêutico benéfico sobre pacientes cardíacos.
E, reunindo diversas linhas de pesquisa médica, Levin demonstra a
influência que a espiritualidade, o engajamento religioso e a fé podem
exercer sobre a saúde e a longevidade das pessoas. O autor aborda sete
principais temas ao longo do livro, que envolvem a influência da
participação em cultos, o poder da oração, a fé e as experiências místicas
sobre a saúde humana. Em entrevista à Revista Bem-Estar, o epidemiologista
resume os resultados obtidos em anos de estudo e revela a importância da
fé sobre a redução de taxas de morbidade e mortalidade na população.
Bem-Estar - O que é a epidemiologia da religião?
Jeff Levin - Pela expressão “epidemiologia da religião” nós
queremos falar sobre o uso de métodos da epidemiologia para estudar os
impactos das características da vida de pessoas religiosas nas taxas de
morbidade (doenças) ou mortalidade (mortes) da população.
Bem-Estar - Seu estudo começa reunindo artigos sobre a influência
do envolvimento religioso sobre a saúde e a doença. Em anos de trabalho,
qual a essência que tira desse tema?
Levin - Meus colegas e eu conduzimos pesquisas nesse campo por
cerca de 25 anos, e agora há aproximadamente 6 mil estudos publicados. A
maneira mais simples para resumir esse trabalho seria afirmar que, na
média, participar de uma religião ou atividades relacionadas à fé parece
estar associado a menores taxas de morbidade e mortalidade, melhor estado
de saúde, maior longevidade, maiores pontuações em medidas de saúde mental
e melhor estado geral de bem-estar psicológico. Como toda pesquisa
epidemiológica, entretanto, é importante acrescentar que essas descobertas
existem em relação à média e à toda a população. É como relacionar fumo e
câncer: muitas pessoas fumam e nunca terão câncer, e muitas pessoas não
fumam, mas ainda assim adoecem. Mas, na média e considerando toda a
população, podemos afirmar que o fumo está associado com maiores
probabilidades de desenvolver a doença. Do mesmo modo, pessoas podem levar
uma vida perfeitamente feliz e saudável sem religião! E vice-versa: muitas
pessoas profundamente religiosas tornam-se seriamente doentes, claro. E
todos nós morremos. Mas, na média, viver uma vida de fé pode ser um
importante fator para ajudar a enfrentar os desafios que colocam a saúde
em risco.
Bem-Estar - O fato de pessoas envolvidas com religião não fumarem
ou beberem não seria primordial para o não-desenvolvimento de patologias?
Levin - Uma das maneiras que a religião pode influenciar na saúde é
encorajando comportamentos saudáveis, como evitar cigarro, álcool e
drogas. Estudos sociais mostram que, de novo na média, pessoas com uma fé
forte e compromissos com a devoção são menos propensas a fumar ou abusar
do álcool. Essas coisas, por sua vez, são fatores de risco para doenças.
Mas a mesma qualificação se aplica à questão anterior: isso é uma média.
Muitas pessoas engajadas religiosamente têm comportamentos insalubres.
Bem-Estar - Uma das perguntas que o senhor faz no livro é: o que,
na religião e na espiritualidade, faz bem à nossa saúde e por quê? Qual
seria a resposta?
Levin - Há numerosas formas de expressões, funções ou
características da religiosidade que podem influenciar nossa saúde. Três
em particular se destacam. Primeiro, o compromisso com um sistema
religioso de crença podem encorajar comportamentos saudáveis, como
descrevemos. Segundo, a participação com pessoas religiosas, tanto em uma
igreja ou sinagoga quanto em uma organização religiosa, pode ser uma
poderosa fonte de relações sociais de suporte. Essas relações
interpessoais, que podem ser um tipo emocional e tangível de ajuda e
apoio, outros estudos vão mostrar, podem impactar em nossa saúde.
Terceiro, prece e adoração podem produzir emoções poderosas, tanto boas
quanto ruins. Emoções, por sua vez, já foi demonstrado, afetam nossa saúde
física e mental por meio de um impacto em nossa fisiologia. Pesquisas,
especialmente ao longo dos últimos 20 anos, mostraram como nossas emoções,
sistemas nervoso, endócrino e imunológico todos interagem entre si. Se a
participação religiosa pode gerar fortes emoções, então não é difícil ver
como isso pode influenciar nosso estado de saúde.
Bem-Estar - E
uma pessoa que não acredita em Deus? Isso tem alguma influência sobre a
saúde dela?
Levin - Como expliquei acima, seria errado interpretar essa pesquisa
dizendo que a pessoa precisa ser religiosa ou acreditar em Deus para ser
saudável. Absolutamente. Essa é a interpretação incorreta mais comum da
pesquisa e está relacionada a um equívoco que os estudos epidemiológicos
podem nos esclarecer. Para ficar claro, fé é simplesmente um dos muitos
fatores, juntamente com histórico médico, exposições a ambientes, imunidade,
comportamento, acesso a cuidados com a saúde e outros, que podem ter impacto
sobre a saúde humana e bem-estar de muitas pessoas. Há muitas razões para
acreditar em Deus e valorizar a fé religiosa ou a espiritualidade. Eu não
estou certo de que o potencial para benefícios na saúde esteja no topo dessa
lista de razões. Por outro lado, se a fé pode ser um tipo de benefício para
algumas pessoas, eu penso que isso é maravilhoso.
Bem-Estar - Pesquisas mostram que membros de religiões que fazem
exigências severas de comportamento são os mais protegidos em relação à
saúde. Apenas esse tipo de religiosidade severa é mais eficaz? Ou pessoas
simplesmente espiritualizadas também têm acesso aos benefícios da fé sobre a
saúde?
Levin - Como foi notado anteriormente, um dos caminhos pelos quais a
religião pode influenciar a saúde é encorajando comportamentos saudáveis.
Essa é a razão, por exemplo, de algumas das taxas mais baixas de doenças e
maior longevidade serem encontradas entre os adeptos da Igreja Santos dos
Últimos Dias, Adventistas do Sétimo Dia ou religiosos cristãos, denominações
que fazem exigências muito rigorosas a seus seguidores. Por outro lado, a fé
pode nos beneficiar de outra maneira, tanto por meio da associação com um
suporte social e emoções positivas, como descrevi anteriormente, e também
levando a estados mentais de esperança e otimismo que podem influenciar na
recuperação de doenças.
Bem-Estar - Existe uma religião mais “saudável” do que outra?
Levin - A pesquisa não abordou esse assunto.
Bem-Estar - Como explicar que o amor cura?
Levin - Essa é uma questão interessante. Pesquisas a respeito
começaram apenas nos últimos anos para explorar as propriedades salutares do
amor, especialmente do amor de Deus. A evidência sugere que, em média,
pessoas que carregam o senso de ser amadas por Deus e O amam em retorno
também parecem ter melhores avaliações de saúde e menos sintomas de
depressão. O porquê disso, eu penso estar provavelmente relacionado ao outro
assunto que descrevi, isso é, uma relação amorosa com Deus ou o divino deve
estar associada com certos promotores de saúde, de características
psicológicas, tais como auto-estima, senso de autocontrole ou
auto-suficiência, bem como um sentimento de otimismo sobre o futuro (ou
sobre a vida após a morte). Tudo isso deve servir para reduzir o estresse
psicológico.
Bem-Estar - Quando Jesus diz: “vai a tua fé te salvou”, quer dizer,
na realidade, que o milagre não foi feito por ele, mas sim pela
espiritualidade do próprio doente?
Levin - Eu não sou teólogo então quero ser cuidadoso para não parecer
que estou falando como autoridade. Meu amigo, dr. Harold Vanderpool, da
University of Texas Medical Branch, escreveu um artigo fascinante muitos
anos atrás, em que identificava nos Evangelhos quatro diferentes maneiras
que Jesus usava para curar. Ele curava pelo exorcismo (expulsando demônios),
oferecendo perdão, pela cura física literal (presumindo maneiras
sobrenaturais) e também recompensando as pessoas pela fé delas em Deus.
Então, penso que a lição aqui é como todos esses meios apontam que uma mesma
espiritualidade, com respeito a Jesus, pode ter propriedades de cura.
Entretanto não se trata necessariamente de um milagre como as pessoas pensam
literalmente sobre essa palavra.
Bem-Estar - Algumas religiões ou congregações frisam bastante a
questão da culpa e de sofrer em si as conseqüências dos atos errados. Isso
não seria prejudicial à saúde mental e, conseqüentemente, física das
pessoas?
Levin - Mais uma vez, eu não sou teólogo então quero ser cuidadoso ao
responder. Eu suponho que culpa e medo podem ser prejudiciais, mas em outras
circunstâncias, podem ser merecidos. Na minha opinião, um sério problema na
nossa cultura hoje é a culpa deslocada. Isso é, as pessoas que não deveriam
sentir-se culpadas em momento algum são minadas com culpas que roubam
qualquer bondade de suas vidas. Ao mesmo tempo, as muito ímpias, como
sociopatas, atuam com grande crueldade sem sentir qualquer culpa sobre suas
ações ou medo de um castigo. Penso que eles, e muitos de nós, estaríamos em
melhor situação se esses indivíduos pudessem sentir remorso. Então, hesito
em dizer que a culpa é necessariamente ruim. Se você é realmente culpado,
então o sentimento de culpa pode ser o primeiro passo para o arrependimento
e, conseqüentemente, para a saúde mental.
Bem-Estar - O que pode ser entendido por uma experiência mística e
como ela interfere na saúde do corpo?
Levin - Existe um conjunto crescente de investigações de indícios de
que algumas experiências religiosas e espirituais (por exemplo, a meditação)
estão associadas a estados alterados de consciência. Isso pode ter o nome de
experiência mística, experiência transcendental, experiência unitiva e
outros. Algumas dessas são bonitas e promovem mudança de vida: por exemplo,
experimentar o sentimento de união ou unidade com Deus e todos os seres. Por
outro lado, pessoas podem aventurar-se em fenômenos ocultistas e também ter
uma experiência “mística”, mas que pode trazer dano mental e emocional. Isso
me faz considerar que uma experiência mística não é nem inteiramente ruim,
nem inteiramente boa. É apenas o nome de um certo estado incomum de
consciência. Agora, como isso pode afetar a saúde, tem sido um bom negócio
da pesquisa psicossomática. Ela tem buscado descrever como a consecução de
certos estados da consciência - por exemplo, por meio da oração, meditação
ou ioga - pode levar a um maior autocontrole de algumas funções fisiológicas
normalmente fora do nosso controle consciente.
Bem-Estar - Qual o tempo diário de meditação ou oração teria
influência sensível na saúde de uma pessoa?
Levin - Eu não posso responder esta pergunta, pois não acho que algo
tão profundo quanto a relação entre a oração (comunicação com Deus) e a
saúde ou cura possa ser reduzida a uma fórmula precisa. Talvez, alguns
pesquisadores tenham dado atenção a isso, mas eu não estou familiarizado com
esse trabalho.
Bem-Estar - A fé dá sentido aos acontecimentos como doenças e
tristezas. Isso seria um fator que influencia na recuperação ou superação?
Levin - Muito, eu acho. A principal função da religião, de acordo com
o antropologista dr. Clifford Geertz, é prover um sentimento de ordem e
significado à vida. Dr. Viktor Frankl, o psicanalista e sobrevivente do
Holocausto, disse insistentemente a mesma coisa. Se a religião pode nos
ajudar a encontrar o sentido dos acontecimentos que de outra forma parecem
não ter sentido, e se isso pode nos ajudar a tirar algo positivo da vida,
mesmo das circunstâncias mais trágicas, então não é de se estranhar imaginar
que isso pode melhorar o nosso humor, reduzir nossa ansiedade e depressão,
fortalecer nossa resposta imunológica e acentuar nossa recuperação de uma
doença.
Bem-Estar -
Como a prece cura?
Levin - Essa é outra boa questão, que eu acredito estar fora do campo
da ciência. Alguns estudos muito controversos sugeriram que orações podem
ter efeito de cura, mas eles não explicaram muito bem como ou porquê. Minha
convicção é de que essa explicação não está próxima. A relação entre oração
e cura, e o espírito e a carne, confunde as melhores mentes em centenas de
anos, os maiores filósofos e teólogos e todo o clero. Se alguém está olhando
para a ciência para julgar esse assunto, então eu acredito que esse alguém
está olhando para o lado errado. Estudos científicos podem de fato mostrar,
bastante definitivamente, que as orações por pessoas doentes são seguidas de
cura. Experiências muito bem controladas fizeram isso. Mas como e porque, eu
não sei como conseguiremos responder. Para os que acreditam na religião, e
eu sou um deles, felizmente, existe uma resposta simples: Deus ouve nossas
preces e então, por razões que pertencem apenas a Ele, escolhe responder
algumas delas. Mas há outras possibilidades: nossas preces por si só
mobilizam uma sutil bioenergia que pode transmitir propriedades de cura a
outras pessoas. Pesquisas em parapsicologia em características do
“não-lugar” da consciência humana começaram a abordar essa questão. As
publicações dos pesquisadores Dr. Dean Radin e Dr. Larry Dossey são
excelentes para iniciar pessoas que estão interessadas nesse tópico.
Raio X
Jeff Levin, é epidemiologista social e membro sênior de pesquisas do
National Institute for Healthcare Research; faz parte do Conselho Consultivo
do Center on Aging, Religion and Spirituality; é integrante do Conselho
Administrativo do Shepherd’s Centers of América, e ex-chairman do National
Institutes of Health Working Group on Quantitative Methods in Alternative
Medicine. Suas pesquisas têm sido financiadas por importantes organizações,
entre as quais o NIH, a American Medical Association e o Institute of Noetic
Sciences. O trabalho de Levin tem sido comentado na Times, no USA Today, no
Reader’s Digest, no JAMA, no Newsday e no Maclean’s, e na NPR, PBS, CTV e
CBN. Mora com a mulher, a Dra. Lea Steele, no Kansas. Levin dedica-se, por
anos, a pesquisas a respeito da influência da espiritualidade na saúde das
pessoas.
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