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Os Tantras Budistas - as Escrituras do VajrayanaTantra, continuum, é o nome dado às escrituras
esotéricas do Budismo Vajrayana e do Hinduísmo. Em ambos os casos, essas
escrituras são marcadas por um grande simbolismo, tornando-se essencial que
seus ensinamentos sejam transmitidos e estudados apenas com a ajuda de um
professor qualificado. Os eruditos tibetanos costumam atribuir os tantras ao
próprio Buda Shakyamuni. Alguns afirmam que eles foram transmitidos em um
dia de lua cheia, um ano após o despertar de Shakyamuni. Outros autores
afirmam que os tantras foram transmitidos um mês antes de o Buda manifestar
o parinirvana (isto é, de falecer e alcançar a liberação final). Segundo os tantras budistas, é possível atingir a
iluminação em um período de tempo relativamente curto através da
transformação das emoções negativas (apego, ódio, ignorância, etc.), ou mais
precisamente, revelando a sua verdadeira natureza. Os tantras de Guhyasamaja
e Heruka Chakrasamvara, por exemplo, trabalham com a transmutação do desejo,
enquanto o tantra de Yamantaka trabalha com a transmutação do ódio. O tantra propõe incorporar todas as ações, todos os
pensamentos, todas as emoções, no caminho. Nada em si é puro ou impuro, bom
ou ruim, mundano ou transcendente; as coisas só aparecem para nós destes
modos por causa das idéias pré-concebidas. No sistema do tantra, qualquer
ação até mesmo andar, comer, defecar ou dormir pode ser incorporada ao
caminho espiritual. (John Powers, Introduction to
Tibetan Buddhism) De acordo com a tradição, os tantras foram abertos pela
primeira vez para o rei Indrabodhi [de Uddiyana]. Um dia, o rei estava na
sacada de seu palácio quando avistou o Buddha voando com o seu séqüito de
arhats. O rei Indrabodhi perguntou a seu ministro quem eram esses
extraordinários seres e se aceitariam um convite para almoçar em seu
palácio. O rei então ofereceu uma bela refeição ao Buda, que por sua vez lhe
deu um ensinamento sobre a renúncia aos apegos mundanos. O rei ouviu com
atenção, mas ao final perguntou se o Buda poderia oferecer um ensinamento
que não requeresse a renúncia aos seus deveres de soberano, seus prazeres ou
sua riqueza. "Sou um rei", disse ele, "e centenas de milhares de súditos
dependem de mim. Não posso abandonar minhas responsabilidades." O Buddha, em
sua onisciência, reconheceu que o rei Indrabodhi tinha karma para praticar o
Budismo Esotérico e, algum tempo mais tarde, abriu a mandala de Guhyasamaja
para ele, aparecendo no céu como a deidade e séqüito e concedendo iniciação
e ensinamentos. O rei praticou tão bem que tanto ele quanto seus súditos
atingiram a iluminação. (Chagdud Khadro, Práticas Preliminares do Budismo
Vajrayana) [O] verdadeiro significado da palavra [tantra] é
"continuidade", no sentido de que apesar de todos os fenômenos serem vazios,
ainda assim eles continuam a se manifestar. Todos os métodos tântricos
trabalham com esta continuação, tomando a vacuidade de todos os fenômenos —
com a qual os sutra trabalham — como sua premissa básica. (Chögyal Namkhai Norbu, The Os tantras são baseados no conhecimento e aplicação da
energia. Sua origem não é encontrada nos ensinamentos orais de um mestre,
como é o caso dos sutras ensinados por Shakyamuni, mas sim da manifestação
na visão pura de um ser realizado. Um manifestação pura surge através da
energia dos ensinamentos em seu aspecto sutil e luminoso, enquanto nossa
visão kármica é baseada em seu aspecto grosseiro ou material. Portanto, para
receber este tipo de transmissão, é necessário ter a capacidade de perceber
a dimensão sutil da luz. [...] Para explicar as origens dos Tantras, podemos tomar
como exemplo o mais conhecido, o Kalachakra, o qual se considera ter sido
transmitido pelo próprio Buda Shakyamuni. É claro, porém, que esse tantra
não poderia ter sido transmitido pelo Buda em seu aspecto físico, pois a
divindade Kalachakra é representada em união com sua consorte, um forma
conhecido como pai-mãe (tib. yab-yum), enquanto o próprio Buda era um monge.
Isto mostra como a transmissão de um tantra não vem pelo contato de uma
natureza comum, mas sim através da dimensão pura da transformação, que é
perceptível apenas por aqueles indivíduos que possuem capacidade suficiente.
Mandala de Kalachakra (Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen) Enquanto o ensinamento básico do budismo Mahayana
refere-se ao desenvolvimento da sabedoria, o conhecimento transcendente, os
ensinamentos básicos do tantra estão ligados ao trabalho com a energia. A
energia é descrita no Vajramala Kriyayoga Tantra como "aquilo que habita no
coração de todos os seres, a simplicidade que existe por si mesma, o que
mantém a sabedoria. Essa essência indestrutível é a energia da grande
alegria e permeia tudo, como o espaço. Este é o corpo dhármico da
não-fixação". De acordo com esse tantra, "Esta energia é o sustentáculo da
inteligência primordial que percebe o mundo dos fenômenos; é a energia que
impulsiona tanto os estados iluminados quanto os estados confusos da mente.
É indestrutível, no sentido de estar constantemente em marcha. É a força
motriz da emoção e do pensamento no estado confuso, e da compaixão e da
sabedoria no estado iluminado". [...] A sabedoria tântrica traz o nirvana ao samsara. Isso
pode parecer um pouco chocante. antes de alcançar o nível do tantra,
tentamos abandonar o samsara e nos esforçamos par alcançar o nirvana. mas,
no fim, temos de compreender a inutilidade de nos esforçarmos e então, nos
tornamos completamente unos com o nirvana. Para captar realmente a energia
do nirvana e nos tornarmos unos com ele, precisamos de uma parceria com o
mundo ordinário. Por isso, a expressão "sabedoria ordinária" é muito usada
na tradição tântrica. (Chögyam Trungpa, Cutting Through
Spiritual Materialism) Os métodos tântricos permitem lidar diretamente com as
delusões e emoções conflitantes. De fato, as delusões que devem ser
abandonadas e os diversos tipos de qualidades espirituais que precisam ser
cultivadas são vistas como os dois lados da mesma moeda, ao invés de serem
dois tipos de experiência completamente opostos. Por isso, o sistema
tântrico também pe chamado "tradição esotérica" — não por conter alguma
coisa que precise ser mantido em segredo, mas sim porque a prática do
tantrismo requer que o praticante tenha certos atributos. Em um certo
sentido, é preciso ter alguma habilidade para praticar o tantra, senão sua
prática não trará nenhum benefício. Os ensinamentos tântricos são mantidos
em segredo até certo ponto — não porque o seu conteúdo não deva ser
revelado, mas sim porque muitas pessoas são incapazes de compreendê-los.
[...] O objetivo da prática tântrica é atravessar o abismo entre o
consciente e o inconsciente, o sagrado e o profano, e todas as outras
dualidades. (Traleg Kyabgon Rinpoche, The
Essence of Buddhism) O tantra é um caminho de transformação da
não-iluminação [ignorância] e das emoções como a essência búddhica e as
virtudes búddhicas. Mas isto não é uma transformação de algo em outra coisa,
de ferro em ouro, como alguns eruditos recentemente entenderam; é
transformar, purificar ou aperfeiçoar algo que está maculado para o seu
próprio estado verdadeiro. [...] [O]s sutras e tantras não diferem quanto à
visão da vacuidade, a verdade absoluta, mas suas diferenças estão na visão
das aparências, a verdade relativa. (Tulku Thondup, The Practice of
Dzogchen) Apesar de o resultado último ser o mesmo, isto é, a
iluminação, a diferença entre o Sutra e o Tantra está nos métodos de
prática. O Vajrayana tem mais métodos de prática, centenas e milhares de
diferentes divindades para subjugar incontáveis máculas através de
meditações, recitação de mantra e visualizações. A visualização é para
purificar o corpo. A recitação de mantra é para purificar a fala. A
meditação sobre a essência última da divindade é para purificar a mente.
Dentro de uma sessão de prática, você envolve toda parte do seu corpo e isto
é um método muito profundo. Se você oferecer um pedaço de fruta com
sinceridade, você pode acumular muitos méritos. Através da visualização,
pode-se criar oferendas infinitas, isto é, mandalas e incontáveis universos
aos infinitos buddhas. A quantidade de méritos que se pode acumular é vasta
e incontável. [...] Muitas pessoas têm dúvidas sobre se o Vajrayana é
buddhismo ou hinduísmo. Parece racional pensar que o budismo esotérico foi
influenciado pelo hinduísmo porque, quando comparados, eles se parecem.
Antes do budismo, já existia o hinduísmo na Índia. [...] A aparência do
Vajrayana é similar à do hinduísmo, mas cada aspecto tem um significado
simbólico. [...] Por exemplo, o puja [cerimônia] do fogo realmente era
um ritual hindu. De fato, todas as práticas rituais foram adaptadas de
rituais hindus, exceto a filosofia e a meditação. Estes rituais foram
adaptados para o ambiente e para as pessoas. Os hindus realizam o puja do
fogo para agradar os deuses e até mesmo sacrificar animais no fogo. [...]
[No buddhismo isto nunca é feito, pois o Vajrayana] converteu cada
substância como um símbolo de nossos próprias máculas, tais como o ódio. O
fogo simboliza a sabedoria, que queima e supera as máculas, para que
possamos compreender a natureza da mente. (Shangpa Rinpoche, Introduction to
Vajrayana) [Resumidamente, os tantras budistas diferem dos tantras
hindus] tanto na ação quanto na filosofia. Em termos de ação, o tantra
budista é baseado na motivação de bodhichitta [a mente altruísta que visa
alcançar a iluminação para beneficiar a todos os seres], enquanto o tantra
hindu não [tem esta motivação]. Em termos de filosofia, o tantra budista é
baseado na teoria do anatman, ou não-eu, enquanto o tantra hindu é baseado
na teoria de um eu verdadeiramente existente [atman]. Outras yogas, como
exercícios de respiração e práticas com chakras [centros de energia do
corpo] e nadis [canais de energia do corpo] têm muitas similaridades e
diferenças sutis. (Dalai Lama, When the Iron Bird
Flies) Sem bodhichitta, os ensinamentos sobre a visão e a
meditação, por mais profundos que possam parecer, não serão de qualquer
utilidade para atingir o estado búddhico perfeito. As práticas tântricas
como o estágio de geração, o estágio de perfeição e assim por diante, quando
praticadas dentro do contexto da bodhichitta, conduzem ao estágio búdico
completo em uma única vida. Mas sem bodhichitta eles não são diferentes dos
métodos dos hereges. Os hereges também têm muitas práticas que envolvem
meditação sobre divindades, recitar mantras e trabalhar com canais e
energias; eles também se comportam de acordo com o princípio da causa e
efeito. Mas é unicamente por não tomarem refúgio ou não fazerem surgir a
bodhichitta que eles são incapazes de atingir a liberação dos reinos do
samsara. É por isto que o Geshe Kharak Gomchung disse, "De nada
adianta tomar todos os votos, desde os de refúgio até os samayas tântricos,
a menos que a sua mente tenha renunciado às coisas deste mundo. De nada
adianta ensinar constantemente o Dharma aos outros, a menos que você possa
pacificar o seu próprio orgulho. De nada adianta fazer progresso se você
relega os preceitos do refúgio ao último lugar. De nada adianta praticar dia
e noite a menos que você combine isto com a bodhichitta." (Patrul Rinpoche, The Words of My
Perfect Teacher) As aparências exteriores dos tantras buddhistas
parecem-se em um grau muito acentuado com as dos tantras hindus, mas na
realidade há uma semelhança muito pequena entre eles, tanto na maneira
subjetiva ou nas doutrinas filosóficas inculcadas neles ou nos princípios
religiosa. Isto não é para ser admirado, já que os objetivos e objeções dos
buddhistas são grandemente diferentes daqueles dos hindus. [...] O
desenvolvimento no tantra feito pelos budistas e a extraordinária arte
plástica desenvolvida por eles não deixou de criar também uma impressão na
mente dos hindus, que prontamente incorporaram muitas idéias, doutrinas,
práticas e deuses originalmente concebidos pelos buddhistas para a sua
religião. A literatura, que segue pelo nome de tantras hindus, surgiu quase
imediatamente depois que as idéias budistas tinham se estabelecido. [...] O
tantra buddhista influenciou grandemente a literatura tântrica hindu, e por
isto é incorreto dizer que o budismo era uma conseqüência do shivaísmo. Isto
é sustentar, de outro modo, que os tantras hindus eram uma conseqüência do
Vajrayana. (Benoytosh Bhattacharyya,
Introduction to Buddhist Esoterism) A influência do budismo tântrico sobre o hinduísmo foi
tão profunda que até presentemente a maioria dos eruditos ocidentais
trabalham sob a impressão de que o tantrismo é uma criação hindu que foi
retomada pelas escolas budistas posteriores, mais ou menos decantes. Contra
este ponto de vista falam a grande antigüidade e o desenvolvimento
consistente das tendências tântricas no budismo. Já anteriormente, os
antigos mahasanghikas tinham uma coleção especial de fórmulas mântricas no
seu Dharani Pitaka, e o Manjushri-mula-kalpa, que de acordo com algumas
autoridades remonta ao século I, contem não apenas mantras e dharanis, mas
também várias mandalas e mudras. Mesmo que a data do Manjushri-mula-kalpa
seja incerta, parece provável que o sistema do budismo tântrico estava
cristalizado numa forma definitiva no fim século III, como podemos ver no
bem conhecido Guhyasamaja Tantra. Declarar o buhismo tântrico como um lançamento do
shivaísmo só é possível para os que não têm conhecimento em primeira mão da
literatura tântrica. Uma comparação dos tantras hindus como os do budismo
(que estão preservados principalmente em tibetano e que por isto ficaram
desconhecidos pelo indologistas) mostra não somente uma assombrosa
divergência de métodos e objetivos, apesar das suas semelhanças externas,
mas também provam a prioridade histórica e espiritual e a originalidade dos
tantras budistas. Shankara Acharya, o grande filósofo hindu do século IX,
cujos trabalhos formam o fundamento de toda a filosofia [monista ou Advaita
Vedanta] do shivaísmo, adotou as idéias de Nagarjuna e de seus seguidores em
tão grande extensão que os hindus ortodoxos suspeitaram que ele era um
devoto secreto do budismo. De modo similar, os tantras hindus também
assumiram o encargo dos métodos e princípios do budismo tântrico e os
adaptaram aos seus próprios objetivos (assim como os budistas tinham
adaptado os antigos princípios e técnicas do yoga aos seus próprios sistemas
de meditação). Este ponto de vista não é somente sustentado pela tradição
tibetana e confirmado pelo estudo da sua literatura, mas também foi
verificado pelos eruditos indianos depois de uma investigação critica dos
textos mais antigos do budismo tântrico em sânscrito e do seu relacionamento
histórico e ideológico com os tantras hindus. [...] A principal diferença é que o budismo tântrico não é
shaktismo. O conceito hindu de Shakti, do poder divino, do aspecto criativo
feminino do deus supremo (Shiva) ou de suas emanações não desempenham nenhum
papel no budismo. Enquanto nos tantras hindus o conceito de poder (sânsc.
shakti) forma o foco de interesse, a idéia central do budismo tântrico é
prajna, conhecimento, sabedoria. Para o budista, shakti é maya, a própria
força que cria ilusões da qual somente a sabedoria prajna pode nos libertar.
Por isto, o objetivo do budista não é adquirir forças, ou se unir às forças
do universo, nem se tornar seu instrumento ou tornar-se seu senhor, mas pelo
contrário, ele tenta se libertar dessas forças que, desde a eternidade, o
mantêm prisioneiro do samsara. (Lama Anagarika Govinda, Foundations
of Tibetan Mysticism) Outro tipo de escritura tântrica, utilizado
particularmente pela escola tibetana Nyingma, é chamado de tesouro (tib.
terma / gter ma) — manuscritos, relíquias, objetos, elementos naturais ou
lembranças, guardados em locais secretos ou na mente dos reveladores de
tesouros (tib. tertön/ gter ston). [Os termas] são escrituras que foram deliberadamente
escondidas e descobertas em sucessivos momentos apropriados por mestres
realizados, através do seu poder iluminado. Os termas são ensinamentos que
representam uma profunda, autêntica e poderosa forma tântrica do treinamento
buddhista. Centenas de tertöns, os descobridores dos tesouros de Dharma,
encontraram milhares de volumes de escrituras e objetos sagrados, escondidos
na terra, na água, no céu, nas montanhas, nas rochas e na mente. Praticando
estes ensinamentos, muitos de seus seguidores alcançaram o estado de
iluminação completa, o estado búdico. Várias escolas do budismo no Tibet têm
termas, mas a escola Nyingma tem a tradição mais rica. (Tulku Thondup Rinpoche, Hidden
Teachings of Os ensinamentos tântricos geralmente apresentam a mente
em vários níveis. O nível mais grosseiro da mente estaria relacionado às
faculdades dos sentidos e às emoções. O nível sutil estaria relacionado aos
ventos (sânsc. prana) de energia do corpo. Já o nível mais sutil estaria
relacionado à mente inata fundamental de clara luz. Este nível extremamente
sutil seria a verdadeira natureza da mente, união indissociável de vacuidade
e lucidez. [Os tantras] descrevem as várias categorias da mente ou
consciência, das mais grosseiras às mais sutis. Os estados sutis da mente
são mais poderosos e efetivos quando aplicados na prática espiritual. O
nível mais grosseiro da consciência percebe as coisas pelos olhos, ouvidos,
nariz, língua e corpo. [...] A não ser em estados extraordinários de
meditação, a consciência mais sutil ou profunda manifesta-se quando estamos
morrendo. Os níveis mais sutis de consciência também aparecem de maneira
resumida quando começamos a dormir, terminamos um sonho, espirramos,
bocejamos e durante o orgasmo. (Dalai Lama, Como Praticar) A fim de reconhecer estes níveis mais sutis da mente,
os tantras apresentam quatro níveis ou modos de entendimento. O primeiro
deles é o sentido literal das palavras. O segundo é o sentido geral quanto
aos procedimentos práticos e yogas meditativas. O terceiro é o sentido
secreto ou oculto, que lida com os ensinamentos esotéricos. O quarto é o
sentido absoluto ou último, que se refere à mente fundamental inata de clara
luz, à união das verdades relativa e absoluta, e à da união da sabedoria da
vacuidade com o grande êxtase. Os métodos tântricos procuram extrair dos três venenos
da mente desejo (apego), ódio (raiva, aversão) e ignorância
(desconhecimento) os seus respectivos antídotos os meios hábeis, a compaixão
e a sabedoria. Por exemplo, uma mente tomada pelo veneno do desejo faz uma
grande concentração sobre o seu objeto de anseio, e essa própria
concentração será utilizada como o antídoto para o desejo. De maneira
semelhante, o veneno da raiva carrega uma grande energia, e essa poderosa
energia será utilizada como antídoto para a raiva. Finalmente, o
reconhecimento da natureza vazia do veneno da ignorância origina o seu
antídoto, a sabedoria. O cultivo desses antídotos é um pré-requisito para se
começar a prática Vajrayana: a qualidade do método ou meios hábeis (sânsc.
upaya) para se renunciar aos apegos do samsara; a qualidade da compaixão
(sânsc. karuna) para se gerar a mente da iluminação (sânsc. bodhichitta),
que visa trazer benefícios a todos os seres sencientes; e a qualidade da
sabedoria (sânsc. prajna), que compreende perfeitamente a vacuidade (sânsc.
shunyata), a verdadeira natureza dos fenômenos. A compreensão dos
ensinamentos dos sutras é indispensável para compreender os ensinamentos dos
tantras. Muitos de nós desejamos praticar o caminho tântrico com
a esperança sincera de atingir a iluminação completa o quanto antes
possível. Para nos tornarmos completamente iluminados através da prática do
tantra, entretanto, há algumas preliminares essenciais que precisamos
praticar primeiro. Para ser verdadeiramente qualificado para praticar o
tantra, precisamos cultivar os três caminhos — renúncia, bodhichitta (a
mente altruísta da iluminação) e a sabedoria que realiza a vacuidade. (Da introdução de Geshe Tsultrim
Gyeltsen em Illuminating the Path to Enlightenment) Sem o livre espírito de renúncia, [o praticante] ficará
muito constringido para ser capaz de manter as disciplinas tântricas, por
causa do desejo sensual e dos impulsos biológicos excessivos. Este
pré-requisito de renúncia é particularmente importante nos tantras
superiores, que são expressados com imagens sexuais. [...] [A segunda
qualidade,] a grande compaixão da bodhichitta, é necessária para transformar
a prática em uma causa de onisciência. Novamente, como muitas imagens das
yogas dos tantras superiores são violentas, um praticante não saturado com
grande compaixão pode ter facilmente uma idéia errônea. A terceira
qualidade, um compressão correta da doutrina da vacuidade, é fundamental
para a prática tântrica. Cada prática é começada, estruturada e terminada
com uma meditação sobre a vacuidade. [...] Apesar de se dizer que o
Vajrayana é um caminho rápido quando praticado corretamente sobre um base
espiritual adequada, ele é perigoso para os espiritualmente imaturos. Este
tipo de perigo é um dos motivos pelos quais o Vajrayana deve ser praticado
sob a supervisão de um mestre vajra adequado. (Dalai Lama, The Path to
Enlightenment)
A importância de meditar sobre a vacuidade é universal
entre as escolas do buddhismo tibetano. Na escola Nyingma, a prática do
Dzogchen (particularmente as práticas de Trekchö e Tögal) incluem um
processo preliminar que é descrito como encontrar a origem, a permanência e
a dissolução da natureza da mente. A meditação sobre a vacuidade acontece no
contexto desta busca. De modo similar, os ensinamentos Kagyü sobre o
Mahamudra falam sobre a "unidirecionalidade", "transcendência de elaborações
conceituais", "sabor único" e "além da meditação". Neste contexto,
unidirecionalidade refere-se ao cultiva da permanência calma [sânsc.
shamatha], onde a primeira parte do cultivo da transcendência de elaborações
conceituais é realmente a meditação sobre a vacuidade. O ensinamento Sakya
sobre o seltong sungjug refere-se à não-dualidade e à união da profundidade
e claridade — profundidade refere-se aos ensinamentos sobre a vacuidade,
claridade refere-se à natureza da mente. Na Gelug, precisamos cultivar a
sabedoria da vacuidade em conjunção com a experiência de êxtase no contexto
da prática de cultivo da sabedoria que é a união indivisível de êxtase e
vacuidade. Em todas as quatro escolas, a vacuidade que é ensinada é aquela
que Nagarjuna apresentou em sues Fundamentos do Caminho do Meio. A
apresentação da vacuidade de Nagarjuna é comum tanto ao Paramitayana quando
ao Vajrayana. No Vajrayana, entretanto, uma prática única coloca ênfase
específica sobre o cultivo da experiência subjetiva da sabedoria da
vacuidade; a vacuidade que é o objeto é comum tanto ao sutra quanto ao
tantra. (Dalai Lama, Illuminating the Path
to Enlightenment) A moralidade da liberação individual [sânsc.
pratimoksha] é praticada principalmente ao se evitarem ações físicas e
verbais que prejudiquem os outros. Esta prática é chamada de "individual"
porque fornece um meio para que as pessoas possam se mover para além da
rotina repetitiva de nascimento, envelhecimento, doença e morte, que os
buddhistas chamam de existência cíclica ou samsara. A moralidade da
consideração pelos outros [sânsc. bodhichitta] — chamada moralidade dos
bodhisattvas (seres essencialmente preocupados em ajudar os outros) — é
praticada principalmente ao não deixar a mente cair no egocentrismo. Para os
praticantes da moralidade do bodhisattva, o ponto essencial é evitar a
auto-indulgência, mas também evitar as ações nocivas do corpo e da fala. A
moralidade do tantra [sânsc. samaya] está centrada em técnicas específicas
do corpo e da mente para ajudar os outros. Ela fornece um meio para evitar
e, assim, transcender nossa percepção limitada de nossos corpos e mentes, de
modo que possamos nos perceber irradiando sabedoria e compaixão. (Dalai Lama, Como Praticar) Nos tantras buddhistas, existe a identificação do
universo com a dimensão pura da mandala; todos os pensamentos são atividades
da mente iluminada; todos os sons são mantras; todos os gestos são mudras;
todos os seres são budas. Por causa dos tantras, o Vajrayana também é
conhecido como Veículo do Tantra (sânsc. Tantrayana), em contraste com o
Hinayana e o Mahayana, que formam o Veículo do Sutra (sânsc. Sutrayana). O
Hinayana, o Mahayana e o Vajrayana são vistos como caminhos sucessivos até a
iluminação. Protegermo-nos dos hábitos prejudiciais através da
remoção de suas causas é a abordagem do Hinayana ou veículo individual.
Transformar as aflições — as tendências negativas ou auto-referentes — em
atitudes positivas e altruístas baseadas no amor e na compaixão é, em sua
maioria, a abordagem Mahayana ou veículo universal. Simplesmente reconhecer
a natureza das aflições e através dela nos liberarmos delas, transmutando-as
assim que surgem, é primariamente o método Vajrayana ou veículo adamantino. A abordagem hinayana envolve manter disciplina perfeita
e cessar o comportamento de um modo que causa mal a si mesmo e aos outros.
Isto protege o praticante de obstáculos e distrações e permite a meditação
unidirecionada. A abordagem Mahayana envolve praticar a compaixão para todos
os seres assim como meditar sobre a vacuidade profunda. Estes dois são
feitos simultaneamente. Sobre a base do estado altruísta da mente, ou
bodhichitta, praticamos as seis perfeições — generosidade, ética, paciência,
perseverança entusiástica, meditação e sabedoria. A abordagem do Budismo
Esotérico é um modo de transmutação que purifica todas as atividades —
emoções, ilusões impuras — e nos permite rapidamente alcançar a iluminação
com as meditações dos estágios de geração e completude. (Kalu Rinpoche, Luminous Mind) [Segundo o Budismo Esotérico,] no primeiro giro da roda
[do Dharma], em Varanasi, ele [o Buddha] ensinou as Quatro Verdades Nobres
comuns tanto ao Hinayana quanto ao Mahayana. No segundo, em Rajagriha, ou
Pico do Abutre, ele expôs os ensinamentos Mahayana sobre a verdade absoluta
— a verdade vazia de características e além de todas as categorias
conceituais. Estes ensinamentos estão contidos no Prajnaparamita Sutra em
Cem Mil Linhas. O terceiro giro da roda, [realizado] em vários tempos e
lugares diferentes, foi devotado aos ensinamentos últimos do Vajrayana, ou
veículo adamantino. (Do comentário de Dilgo Khyentse
Rinpoche em The Heart Treasure of the Enlightened Ones) O caminho da moderação [Hinayana] é praticado
externamente; O espírito de bodhisattva [Mahayana] é praticado
internamente; Os métodos esotéricos do mantra [Vajrayana] são
praticados secretamente. (Lama Je Tsongkhapa) No tantra, as três jóias (sânsc. triratna) do refúgio
externo — Buda, Dharma e Sangha — são reinterpretados como as "três raízes"
do refúgio interno — o Lama, o Yidam e a Dakini. O mestre (sânsc. guru, tib.
bla ma) ou Lama, representado o Buda, é o detentor da linhagem e das
bênçãos, que confere as iniciações, as transmissões orais e os ensinamentos.
O professor principal de um praticante do Budismo Esotérico é chamado mestre
raiz (sânsc. mula-guru, tib. rtsa ba'i bla ma / tsawe lama). Dakini A divindade escolhida (sânsc. ishta-devata, tib.
yi dam) ou Yidam, o arquétipo meditacional com o qual se mantém um
compromisso (sânsc. samaya, tib. damtsig / dam tshig), é a corporificação
das sabedorias búdicas que representam a experiência direta do Dharma nos
estágios da sadhana. Finalmente, a Dakini (tib. khandroma / mkha' 'gro ma),
um ser feminino de aspecto irado, representa a companhia da Sangha, a
manifestação da mente iluminada que ajuda a atingir as quatro atividades
iluminadas (pacífica, incrementadora, magnetizadora e irada). Às vezes elas
são associadas também aos protetores do Dharma (sânsc. dharmapala, tib.
chökyong / chos skyong). Os três corpos (dharmakaya, sambhogakaya e nirmanakaya)
são considerados os objetos do refúgio secreto. A palavra "refúgio" denota um lugar de segurança ou
proteção. Em essência, o voto de refúgio implica assumir o compromisso de
nos direcionarmos sempre de modo a não causarmos mal aos outros. Não é que,
ao tomarmos refúgio, o Buda ou algum outro ser iluminado estenda uma varinha
mágica e, de repente, somos transportados para além da dor e da
insatisfação. Antes, nós asseguramos nossa própria proteção ao lidarmos com
a raiz do sofrimento, que reside em nossos próprios pensamentos e ações
nocivos. Se o reduzirmos através do uso disciplinado do corpo, fala e mente,
evitamos suas conseqüências kármicas negativas e, assim, eliminamos as
causas do sofrimento. [...] Nós tomamos refúgio nas Três Jóias o Buda, o Dharma e a
Sangha. O Buda é semelhante a alguém que andou por uma certa estrada e, pelo
fato de ter alcançado o destino final, conhece o percurso e é capaz de nos
mostrar o caminho. A estrada em si é o Dharma. E aqueles com quem viajamos,
aqueles que nos oferecem apoio e em quem confiamos, formam a Sangha. Ao
tomar refúgio, seguimos os passos daqueles que nos precedem no caminho da
iluminação. [...] [No Budismo Esotérico, a palavra refúgio] possui três
aspectos. Até agora discorremos sobre o seu significado externo. Ela também
traz significados interno e secreto [...]. Na tradição Vajrayana, as fontes
internas de refúgio são as Três Raízes o lama, o yidam e a dakini. Diz-se
delas que são a fonte das bênçãos, da realização espiritual e da atividade
iluminada, respectivamente. O lama ou mestre espiritual é a raiz das bênçãos, no
sentido de que ele transmite o conhecimento, os métodos e a sabedoria que
nos capacitam a alcançar a liberação. O yidam ou divindade meditativa
escolhida é a raiz da realização, no sentido de que, por meio de nossa
prática somos capazes de compreender a natureza da mente. Através do métodos
da divindade meditativa, somos capazes de compreender e consumar a dakini, o
princípio feminino da sabedoria que propicia a atividade iluminada. O objeto secreto de refúgio nada mais é do que a
verdadeira natureza da mente, a essência de todo ser, a natureza búdica em
sua perfeição. Essa natureza possui duas facetas: a primeira, dharmakaya, a
natureza absoluta da mente que está além dos conceitos ordinários, pode ser
comparada ao sol; a segunda, rupakaya ou corpo da forma, pode ser comparada
à irradiação brilhante do sol, que ocorre naturalmente e sem esforço. Essa
irradiação, que se manifesta para benefício dos outros, possui dois
aspectos: o sambhogakaya a manifestação de forma pura, perceptível aos
grandes praticantes , e a manifestação nirmanakaya, que aparece para
benefício daqueles que são incapazes de perceber a expressão do
sambhogakaya. No budismo Esotérico, ao recorrermos a objetos de
refúgio externo, interno e secreto, purificamos karma nos níveis externo,
interno e secreto, simultaneamente. É como se, em vez de cortar com uma
lâmina, cortássemos com três. (Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Buddhista) As escolas "novas" do budismo tibetano (Sakya, Kagyü e
Gelug) dividem os tantras em quatro categorias, de acordo com a
classificação do Vajrapanjara Tantra. As três primeiras categorias são
chamadas de "tantras inferiores" por serem práticas preparatórias para a
quarta categoria, o "tantra superior": •Tantras de Ação (sânsc. Kryia-tantra): são os mais
antigos (séculos II-VI) e foram os primeiros a seres traduzidos para o
chinês (a partir do século III). Nesta classe, estão os textos que enfatizam
o vegetarianismo, ritos e atividades externas de limpeza e purificação, como
o Arya-manjushri-mulakalpa, o Subahu-paripriccha Sutra e o
Aparimia-ayurjnana-hridaya Dharani. •Tantras de Atuação (sânsc. Charya-tantra,
Ubhaya-tantra, Upaya-tantra, Upa-tantra): inclui apenas alguns textos, que
surgiram a partir do século VI, como o Maha-vairochana-bhisambodhi Tantra.
Nesta classe, as atividades externas (vegetarianismo, ritos, atividades
externas de limpeza e purificação, gestos simbólicos ou mudras) e internas
(meditação ou yoga) são enfatizadas igualmente, com destaque para as
práticas meditativas sobre o dhyani-buddha Vairochana. •Tantras de União (sânsc. Yoga-tantra): enfatizam a
yoga interna, isto é, as práticas meditativas. Os tantras desta categoria
também enfatizam uma dieta vegetariana. Os textos desta classe estão ligados
ao buddha Vairochana (Sarva-durgati-parishodhana Tantra) e ao bodhisattva
Manjushri (Manjushri-nama sangiti). •Tantras de União Superior (sânsc.
Anuttara-yoga-tantra): enfatizam a prática de yoga interna superior. Esta
classe é subdividida em três categorias: 1.Tantras Superiores de União (sânsc.
Yogottara-tantra), Tantras de Habilidade (sânsc. Upaya-tantra) ou Tantras
Pai (sânsc. Pitri-yoga): são associados ao buddha Akshobhya e à sua
consorte, Mamaki. Nesta categoria, estão o Guhyasamaja Tantra e o Yamantaka
Tantra. 2.Tantras de Sabedoria (sânsc. Prajna-tantra), Tantra
das Praticantes de Yoga (sânsc. Yogini-tantra), Tantras Absolutos de União
(sânsc. Yoga-anuttara-tantra ou Yoganinuttara-tantra) ou Tantras Mãe (sânsc.
Maitri-tantra): também estão associados ao buddha Akshobhya e sua consorte,
porém em seus aspectos irados (sânsc. heruka) e acompanhados por dakinis. Os
principais textos desta categoria são o (Heruka Chakra-)Samvara Tantra, o
Hevajra Tantra, o Kalachakra Tantra, o Samvarodaya Tantra e o
Chanda-maharoshanasa Tantra. Muitos buddhas e textos desta categoria são
semelhantes as divindades e textos hindus ligadas a Shiva. 3.Tantra de União Não-dual (sânsc.
Advityaya-yoga-tantra): esta é uma categoria especial em que, às vezes, é
classificado o Kalachakra Tantra. A palavra tantra quer dizer "continuidade". A
continuidade do desenvolvimento ao longo do caminho e a continuidade da
experiência de vida ficam cada vez mais transparentes. Cada insight torna-se
uma confirmação. O simbolismo inerente ao que percebemos torna-se
naturalmente importante, como se fosse algo que jamais tivéssemos conhecido
antes. O simbolismo visual, o simbolismo sonoro dos mantras e o simbolismo
mental das sensações, da energia — tudo torna-se relevante. Descobrir um
novo modo de olhar a vivência não se torna um esforço. nem um poder
excessivo; é um processo natural. [...] O tantra pai é associado à agressividade ou aversão. Ao
se transmutar a agressividade, vive-se uma energia que contém uma tremenda
força. Nenhuma confusão pode participar disso; a confusão é repelida
automaticamente. É chamada de ira-vajra, já que é o aspecto adamantino da
energia. O tantra mãe é associado à sedução ou apego e é inspirado pela
sabedoria discriminativa. Cada aspecto do universo ou da vida é visto como
contendo uma beleza própria. Nada é rejeitado, nada é aceito; porém, o que
quer que percebamos tem suas qualidades próprias. Como não há rejeição nem
aceitação, as qualidades individuais das coisas tornam-se mais claras e é
mais fácil nos relacionarmos com elas. [...] O tantra [não-dual] da união
implica transmutar a ignorância no espaço que tudo permeia. Na ignorância
comum, tentamos manter nossa individualidade, descobrindo o ambiente que nos
cerca. Porém, na tantra da união não há subsistência da individualidade. É a
percepção de todo o ambiente espacial, oposto ao espaço congelado da
ignorância. Para transmudar a aversão, o apego e a ignorância, é preciso
estar apto à comunicação direta e completa com a energia, sem estratégias. (Chögyam Trungpa, The Mith of
Freedom and the Way of Meditation) A escola tibetana Nyingma inclui também os ensinamentos
da Grande Perfeição (sânsc. Ati-yoga, tib. Dzogchen/ rDzogs chen). Por isso,
ela classifica os tantras de forma um pouco diferente: Tantras Externos: correspondem aos três tantras
inferiores que foram citados anteriormente • Tantras de Ação (sânsc.
Kryia-tantra) • Tantras da Atuação (sânsc. Charya-tantra) • Tantras de União (sânsc. Yoga-tantra) Tantras Internos: correspondem respectivamente aos três
tantras superiores (Tantras Pai, Tantras Mãe e Tantra Não-dual) • Tantras de
Grande União (sânsc. Maha-yoga Tantra) • Tantras de Suprema União (sânsc. Anu-yoga Tantra) •Tantras da Grande Perfeição (sânsc. Ati-yoga Tantra) As escolas japonesas Shingon (chin. Mi-tsung) e Tendai
(chin. T'ien-t'ai) centralizam suas práticas nos tantras de Ação e de
Atuação, tendo o dhayni-buddha Vairochana como divindade principal de suas
meditações esotéricas. A tradição oral (jap. kûden) das escolas Shingon e
Tendai são chamadas respectivamente de Tômitsu e Taimitsu. Na escola
Shingon, os ensinamentos da tradição Tômitsu são considerados os mais
elevados; na escola Tendai, os ensinamentos da tradição Taimitsu tornaram-se
profundamente interconectados com os ensinamentos do Sutra do Lótus do
Dharma Maravilhoso (sânsc. Saddharma Pundarika Sutra). As linhagens
japonesas não regulamentadas são genericamente chamadas de Zômitsu. Os mestres realizados, que "importaram" os tantras de
várias dimensões para o mundo humano, transmitiram a dimensão pura da
transformação através da mandala. Esta transmissão toma lugar a cada vez que
um mestre confere a iniciação de um tantra a um discípulo. Durante a
iniciação, o mestre descreve a imagem de uma mandala a ser visualizada e, em
particular, a divindade em que o praticante tem de se transformar. Então,
visualizando a dimensão da transformação, o mestre confere a autorização
[empowerment] para a prática, transmitindo o som natural do mantra
específico da divindade. Após o discípulo receber a iniciação, e assim tendo
sua primeira experiência de transformação na visão pura, ele estará pronto
para aplicar isto como o caminho, através da visualização e da recitação do
mantra. Por estes meios, o praticante do tantra tenta transformar a visão
impura comum na visão pura da mandala da divindade. Todos os tantras são
baseados no princípio da transformação, trabalhando com o conhecimento de
como a energia funciona. O próprio significado da palavra tantra
"continuação" se refere à natureza da energia do estado primordial, que se
manifesta sem interrupção. (Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen) É comum que o treinamento espiritual adquira maior
eficácia quando transmitido na forma de instruções secretas, guardado como
um tesouro secreto e praticado em segredo, e confiando-se exclusivamente no
mestre. O principal objetivo do treinamento é tornar-nos receptivos, e não
limitar-nos ou isolar-nos. Todavia, especialmente no início, precisamos
reunir as nossas energias e desenvolver a nossa concentração. O segredo pode
ajudar-nos a fazer isso. Se usamos o que aprendemos nas conversas casuais
travadas à mesa do jantar ou como uma mercadoria, um instrumento para
atingir objetivos mundanos, arriscamo-nos a dispersar a nossa energia e a
nossa inspiração. Quando mantemos o treinamento em segredo, a energia
concentrada se desenvolve com maior eficácia, do mesmo modo como um motor de
propulsão reúne forças para erguer um foguete para fora do campo de
gravidade da Terra, pois o combustível é consumido sob grande pressão, em
vez de escapar sem controle. (Tulku Thondup, O Poder Curativo da Mente) A meditação tântrica é dividida em várias etapas,
partindo das contemplações mais básicas para as mais profundas: • práticas preliminares (sânsc. purvagama, tib. ngöndro
/ sngon 'gro): as preliminares externas são as quatro contemplações que
levam a renunciar ao samsara: a preciosidade do nascimento humano, a
impermanência, o karma e o sofrimento. As preliminares internas são o
refúgio, a bodhichitta, a purificação através da prática de Vajrasattva, a
acumulação de mérito pela oferenda de mandalas, e a acumulação de sabedoria
através da união com a mente do mestre (sânsc. Guru Yoga, tib. Lame Nenjor /
bLa ma'i rNal 'byor). Às vezes há práticas adicionais, como o Chö (tib.
bCod), que visa cortar o apego ao falso ego, e o P'howa (tib. 'pho ba), a
transferência de consciência na hora da morte. •estágio de geração (sânsc. utpatti-krama, tib. kyerim
/ bskyed rim): nesta fase, seguindo as instruções de uma liturgia (sânsc.
sadhana) tântrica, desenvolve-se a visão iluminada, treinando a mente
através da visualização criativa. O ambiente é visualizado como sendo a
terra pura da mandala, desenvolvendo-se a imagem vívida de si mesmo como
sendo a divindade meditacional, com todas as marcas físicas de um buddha e
todas as qualidades mentais de um ser iluminado. Através da repetição do
mantra da divindade, todos os sons passam a ser percebidos como a fala
iluminada, assim como todos os pensamentos se tornam a concentração da
divindade. O objetivo deste estágio é desenvolver os próprios poderes
imaginativos a tal ponto que aquilo que é visualizado se torne real.
Inicialmente, o processo é um pouco artificial, mas as visualizações
correspondem à experiência dos seres iluminados. Adotando os novos hábitos
de percepção, pode-se diminuir os hábitos comuns da percepção grosseira
baseada na ignorância, apego e ódio e, em seu lugar, colocar um nível de
percepção mais sutil baseada na sabedoria, compaixão e meios hábeis. •estágio de perfeição (sânsc. nishpanna-krama, tib.
dzogrim / rdogs rim): uma vez que a visão búddhica tenha se tornado uma
experiência vívida, o estágio de perfeição completa o processo, trabalhando
com as energias sutis do corpo através de yogas avançadas. O desfecho da prática tântrica segue as
particularidades de cada escola: na linhagem Nyingma, é a Grande Perfeição
(sânsc. Atiyoga, tib. Dzogchen / rDzogs chen); na linhagem Sakya, é a
finalização do Caminho e Fruto (tib. Lamdre / Lam 'bras); e nas tradições
Kagyü e Gelug, é a Grande Marca ou Grande Sinal (sânsc. Mahamudra, tib.
Gyachenpo). Porém, a realização final de cada um desses sistemas é o mesmo:
a liberação total do sofrimento, a iluminação completa, o despertar total. A característica especial do Vajrayana é a percepção
pura. Através de uma iniciação transmitida por um mestre tântrico, vemos e
realizamos o mundo como uma terra pura, e os seres como iluminados. Com o
poder ou sabedoria transmitida na iniciação, e com os extraordinários meios
hábeis dos canais, energias e essências do corpo-vajra, os tantristas geram
a experiência da grande união do êxtase e da vacuidade, e este atingimento
leva a mente, à força, ao ponto de realização. Nas práticas tântricas, nada
há a ser refreado ou destruído, mas sim a ser transformado como o
combustível de sabedoria, a grande união do êxtase, da claridade e da
própria vacuidade. No Mahayana comum, os praticantes transmutam a vida
diária em treinamento espiritual através da atitude correta, o pensamento de
beneficiar os outros. Assim a vida do dia-a-dia é transformada em prática
meritória, a causa da iluminação. No tantra, porém, transmutamos tudo na
sabedoria em si, que é o resultado ou meta do caminho. Deste modo, o
Vajrayana é conhecido como o veículo do resultado, pois ele toma o próprio
resultado como o caminho do treinamento. (Tulku Thondup Rinpoche, Hidden
Teachings of De acordo com o Vajrayana, deve-se combinar os meios
hábeis — o estágio de geração — com o aspecto da sabedoria — o estágio de
perfeição. O estágio de geração requer visualização — criar a imagem de um
ser divino —, preces, confissões, oferendas e as outras sessões sessões da
prática de sadhana. O estágio de perfeição envolve o reconhecimento da
natureza da mente, olhando para quem visualiza, assim levando a natureza
búddhica à experiência prática. O estágio de geração é necessário porque,
bem agora, somos seres normais, e um ser normal é não-iluminado, instável na
realização da natureza búddhica. Não temos poder completo por nós mesmo,
então pedimos a ajuda dos buddhas e bodhisattvas. Ao oferecer [a prece dos]
sete ramos, por exemplo, purificamos nossos obscurecimentos, removendo
aquilo que nos impede de otger o insight verdadeiro. O aspecto da sabedoria
é a natureza da nossa mente. Tanto os meios hábeis quanto a sabedoria são
necessários. (Tulku Urgyen Rinpoche, Repeating the Words of the
Buddha) [O estágio de geração] consiste na visualização gradual
da mandala, começando com a sílaba semente da divindade principal e então as
sílabas dos quatro elementos. Quando a criação imaginária da mandala está
completa, enquanto se mantém a visualização de si mesmo transformado na
forma da divindade central, recita-se o mantra. Neste fase, trabalha-se um
grande parte com a faculdade imaginativa da mente, tentando desenvolver ao
máximo a capacidade de visualizar. A segunda fase, o estágio de perfeição,
focaliza a visualização da mandala interna dos centros [sânsc. chakra] e
canais [sânsc. nadi] de energia, e na concentração sobre as sílabas do
mantra, que giram sem interrupção ao redor da sílaba semente central. O
final da sessão da prática, tanto a mandala externa quanto a interna são
integradas na dimensão pura do corpo, fala e mente iluminados do praticante.
O resultado final da prática é que a visão pura manifesta-se sem depender
mais da visualização, tornando-se parte da própria claridade natural. Assim,
realiza-se o estado de reintegração total da visão pura com a impura, o
Mahamudra, o grande símbolo em que o samsara e o nirvana estão
indissoluvelmente unidos. (Tulku Urgyen Rinpoche, Rainbow
Painting) As mandalas [diagramas] nos são dadas para podermos nos
identificar com nossas emoções específicas, que têm a possibilidade de se
transmutar em sabedoria. Às vezes, praticamos a visualização dos yidams
[divindades meditacionais]. Quando começamos a trabalhar com eles,
entretanto, não os visualizarmos imediatamente. Começamos com uma
consciência da vacuidade e, em seguida, desenvolvemos a sensação da presença
daquela imagem ou forma. Depois recitamos um mantra que tenha uma ligação
com essa sensação. Para enfraquecer a força do ego, precisamos estabelecer
um elo entre a presença imaginária e o observador de si mesmo, o ego; o
mantra [invocação] é esse elo. Após a prática do mantra, dissolvemos a
imagem ou a forma em certa cor de luz apropriada ao yidam específico.
Finalmente, terminamos a visualização com uma nova conscientização da
vacuidade. A idéia toda é que esses yidams não devem ser encarados como
"deuses" externos que nos salvarão, mas como expressões de nossa verdadeira
natureza. Nos identificamos com os atributos e com as cores de certos yidams
e ouvimos o som que vem do mantra, e só então começamos a compreender que
nossa verdadeira natureza é invencível. Nos identificamos completamente com
o yidam. (Chögyam Trungpa, Cutting Through Spiritual
Materialism) Alguns de vocês podem perguntar, "Por que precisamos
deste processo de purificação? Por que precisamos de métodos e práticas se o
fundamento e resultado reais já são perfeitamente puros?" A pergunta é
também a resposta. Assim que vocês conhecerem sua natureza verdadeira,
perfeita, quando quer que isto seja — talvez hoje à noite, ou de manhã —,
vocês não precisarão mais praticar ou ficar preocupados com os objetos e
métodos de purificação. Vocês não precisarão ficar preocupados com o
processo de purificação porque já estarão em um estado desperto puro,
primordial. Até então, você continuarão a ter muitos e muitos pensamentos e
conceitos perturbadores. Até que estas perturbações sejam pacificadas, vocês
farão um favor a vocês mesmos se contarem com o processo da prática,
encontrando o objeto a purificar e atingindo o resultado. (Gyatrul Rinpoche, Generating the
Deity) Na antiga Índia, o tantra era praticado em segredo, mas
no Tibet a maioria dos tantras são praticados sem muita restrição. Os
professores observam que a prática do tantra depende da devoção aos
ensinamentos, de modo que a devoção qualifica uma pessoa a receber as
instruções. A Índia nunca foi totalmente devotada ao buddhismo, mas o Tibet
foi um país inteiramente buddhista; então não havia a mesma necessidade de
segredo e diferenciação na autorização para o estudo dos tantras. (Tulku Thondup, Masters of
Meditation and Miracles) Luminosa, monges, é a mente; e ela é maculado por
máculas vindouras. Luminosa, monges, é a mente; e ela é liberada das máculas
vindouras. (Pabhassara Suttas, Anguttara Nikaya I.49-50) A mente é vazia de mente, pois a natureza da mente é a
clara luz. (Ashta-sahasrika-prajna-paramita Sutra) Todos os seres são buddhas, mas isto é escondido por
máculas adventícias. Quando suas máculas são purificadas, seu estado de
Buddha é revelado. Leia nossos textos para sua evolução espiritual, eles são espirituais, ou uma sugestão de luz: leia um texto nosso semanalmente. Conheça o texto: Como Evoluir Espiritualmente. |