YOGA DA DIVINDADE - SADHANA DE MAHAYOGA

A sadhana de Mahayoga é também chamada yoga da divindade. Talvez esta seja uma boa hora para eu explicá-la. Percebi muitas pessoas praticando-a com a idéia de que a divindade está fora ou separada de si mesma. Isto não é certo e conseqüentemente sua prática não será condutiva à sabedoria e poderá até mesmo reforçar a ignorância ou se tornar um rudra.

Apesar de o Senhor Buda ter ensinado oitenta e quatro mil caminhos para a iluminação, ele não fez isso porque haja oitenta e quatro mil formas de iluminação. Há apenas um estado de iluminação, mas muitos caminhos podem levar ao mesmo destino. O Buda não apresentou essa vasta extensão de métodos a fim de nos confundir ou para brincar. Sua razão estava baseada na observação de que os buscadores espirituais têm diferentes capacidades e que nenhum método único poderia servir sabiamente para todos eles.

Para mim, parece que as pessoas estão ficando cada vez mais frustradas e confusas, apesar de serem espertas e de trabalharem duro. Estão cansadas, exaustas e desencorajadas. Já tentaram quase tudo mas não obtiveram um sucesso duradouro. O lado positivo desta situação é que pelo menos agora elas estão prontas para tentar a yoga da divindade. Acho que este pode ser o caso porque a yoga da divindade é uma prática simples. Ela reduz tudo a um único ponto — encontrar nosso estado natural. Se entendermos a yoga da divindade adequadamente e a praticarmos da maneira correta, ela conduzirá diretamente ao núcleo de nossa natureza, o estado natural antes da delusão surgir. Até agora, não conheci muitas pessoas que tentaram praticar a yoga da divindade de maneira séria. Elas se dedicam a se tornar sistemas de radar cada vez melhores — sensíveis ao mundo exterior mas insensíveis à sua própria natureza. Sempre se igualando externamente, elas negligenciam na natureza de sua experiência — esse tópico importantíssimo que é o assunto de todo o pensamento budista. É como se estivessem procurando manteiga batendo água [ao invés de leite]. Estão procurando a iluminação desenvolvendo seu intelecto. Já que a iluminação não é intelectual ou científica, elas nunca a encontrarão. Isto é uma triste predição.

Bem agora, podemos superar este problema. Podemos escolher entre ser budas ou entre ser seres comuns. O que quero dizer com esta afirmação? Quero dizer que, quando reconhecermos a natureza da mente assim como ela é, pura e imaculada, seremos budas e manifestaremos a inconcebível atividade benéfica sem karma. Mas quando caímos sob a oscilação da dualidade, a separação percebida entre sujeito e objeto, seremos seres comuns, nossa experiência será pesada e materialista, e criaremos muito karma, que é a fonte do sofrimento infinito. Esta escolha está diante de nós.

No Mahayoga, nosso estado natural que queremos reconhecer é retratado como uma divindade de sabedoria, ou ser divino. Divindade é sinônimo de bodhichitta [mente da iluminação]. A divindade é um estado puro de ser que está além da dualidade e que não é constringida pelas forças do apego e da avidez. Já que todos os seres têm mente, eles também têm a natureza da mente. Portanto, todos os seres são divinos porque sua natureza é pura. Porém, sua natureza pura não é manifesta. É como a manteiga no leite. Já que eles não reconhecem suas divindades há muito, muito tempo, seu hábito de não-reconhecimento está firmemente enraizado. De fato, para eles parece improvável que possuam uma natureza pura porque se sujeitam a muito contra-condicionamento há muito tempo. É precisamente por isso que eu disse que nós realmente precisamos do caminho da yoga da divindade. Se a praticarmos, experienciaremos a divindade e a não-dualidade mesmo antes de estarmos completamente realizados. Iremos sistematicamente além das limitações impostas pela apegada mente conceitual. Quando começamos a praticar, pode parecer um esforço sem frutos. Podemos pensar que a estrutura conceitual é a usual, que o texto é em tibetano e que as pessoas fazem movimentos estranhos com suas mãos. Mas o que eu quero dizer é que você não precisa se sentir assim porque a prática da divindade é realmente muito simples e não complicada. Tudo o que você precisa fazer para ser o melhor praticante no mundo é a visão correta.

Então, se a visão é tão importante, o que é a visão? Infelizmente, muitas pessoas meditam sem qualquer visão ou com uma visão fraca. Estão meditando na ignorância ou sobre a ignorância, apesar de não estarem conscientes dela. Estão meditando sem bodhichitta e sem a visão da divindade de sabedoria. No contexto do Mahayoga, a meditação da yoga da divindade é um modo pessoal de experienciar a natureza búdica e os fenômenos búdicos. Esta é a abordagem Mahayana desde o começo, mesmo para os principiantes. A premissa do Mahayana é que, se virmos a divindade, então nós seremos a divindade. Tudo que precisamos lembrar é que a divindade é um símbolo do nosso estado original que somos.

Gostaria de verificar para você como a premissa da yoga da divindade realmente funciona. Para fazer isto, mude seu nome a cada dia durante dez dias. Na segunda, peça às pessoas que o chamem de Francisco, na terça de Miguel e assim por diante. No fim do décimo dia, você provavelmente estará curioso sobre quem realmente é. Do mesmo modo, a yoga da divindade é mudar o nosso nome de pessoa comum para o de uma divindade ou buda. Uma vez que acredite em seu novo nome, você experienciará sua vida de acordo com o seu novo nome. Na yoga da divindade, estamos criando uma nova auto-imagem ao criarmos um corpo tridimensional de uma insubstancial luz de arco-íris, e permitindo que todas as coisas também se tornem uma luz de sabedoria. Durante o tempo em que estivermos engajados neste processo, é impossível que os conceitos errôneos e o apego aos fenômenos carreguem muito peso. Nossa percepção habitual de sujeito e objeto se transforma na percepção da luz de sabedoria que é a nossa natureza. Somos naturalmente livres ou liberados em nossa natureza. Isso é simples, não é? Realmente, como eu disse antes, é simples se entendermos a visão da liberação natural. Para entendermos a visão da liberação natural, nós a estudamos, então meditamos sobre ela e a assimilamos. Quando nosso conhecimento intelectual e nossa experiência meditativa estiverem totalmente integrados ou amadurecidos, teremos realizado o estado búddhico. Então, meu conselho é sabermos claramente qual é a nossa meta e como atingi-la, e permanecermos focados através do estudo e da meditação.

Mahayoga

O Mahayoga enfatiza a fase criativa da meditação; o Anuyoga, a fase de perfeição com características; e o Atiyoga, a fase de perfeição sem características. O Mahayoga da fase criativa é baseado no princípio da purificação. Purificação não significa que o universo e todos os seres são impuros e que devam ser purificados. Significa que a pureza inerente do universo e de todos os seres precisa ser revelada ou efetivada. O caminho Mahayoga para realizar isto é através dos quatro aspectos da purificação:

  1. A base da purificação é o solo fundamental da essência búdica pura;
  2. As máculas a serem purificadas são as aparências dualistas temporárias;
  3. O método que purifica são os estágios de criação [ou geração, desenvolvimento] e de perfeição da meditação, que transformam a percepção impura em visão pura;
  4. O resultado da purificação é o atingimento dos dois kayas [rupakaya e dharmakaya].

Praticar o método que purifica é fácil, mas inicialmente parece difícil porque estamos tão entrincheirados na percepção impura que não estamos conscientes de como a criamos. Se pudermos apenas realizar que os fenômenos aparecem porém não são verdadeiramente existentes porque são inseparáveis da grande vacuidade, destruiremos nossa impura percepção dualista. No Mahayoga, viemos a esta importante realização criando a aparência de uma divindade de sabedoria através da meditação, do mantra e da concentração. Quando "criamos" a divindade deste modo, sabemos que ela é não-substancial e não-existente, porém não podemos negar nossa experiência dela. Então, por extensão, realizamos que isto também é verdade para todos os fenômenos. Vemos a "mágica" da forma e da vacuidade e realizamos a verdade da visão pura. Isto é um grande alívio porque significa que nossas máculas não são verdadeiramente existentes. Por exemplo, se tivermos um milhão de dólares que acreditemos ser verdadeiros, então teremos um milhão de dólares para cuidar, digamos assim. Isso não é fácil. Por outro lado, se soubermos que o milhão de dólares realmente é apenas um conceito e que é inseparável da vacuidade, nosso relacionamento com o milhão de dólares será livre do apego e da avidez. O que estou tentando apontar é que as aparências e a vacuidade não são realidades separadas, mas uma única esfera indivisível de verdade. Talvez seja difícil acreditar agora que o método Mahayoga de purificação através da prática da divindade realmente funciona, ou talvez pareça difícil fazê-lo porque há divindades a serem visualizadas e assim por diante. Ou talvez você pense que a yoga da divindade aumenta os conceitos ao invés de eliminá-los.

O ponto a se lembrar é que, apesar de estarmos temporariamente deludidos, não somos fundamentalmente diferentes de Samantabhadra, o buda primordial. Apenas saber isto já é inspirador e nos dá confiança. O único modo no qual diferimos é em relação à realização da verdadeira natureza dos fenômenos. Enquanto Samantabhadra reconhece os fenômenos como sendo a expressão de sua própria natureza, nós não. Na ausência do reconhecimento correto, externalizamos os fenômenos e experienciamos o mundo e os seres que vivem nele como sendo substancialmente reais. Este é o resultado da ignorância e da delusão. Ainda assim, a natureza fundamental não é contaminada ou mudada pela delusão porque está além de causa e resultados, e das circunstâncias.

A título de método de purificação, acabei de falar sobre a percepção pura dos budas e da percepção impura dos seres deludidos. Mas há também um terceiro modo de percepção — a percepção do meditador que é gradualmente mudada de impura para pura. No início, o meditador deve fazer um esforço consciente para gerar uma experiência de pureza. Mas à medida que a habilidade do meditador melhora e ele relaxa, a experiência de pureza ocorre naturalmente e se aprofunda sem esforço. Quando o meditador e a experiência do meditador tornam-se uma única e mesma [realização], então todas as aparências são realizadas como sendo puras.

Se tentarmos entender o mundo físico externo, provavelmente falaremos sobre átomos e partículas quânticas. Mas a verdade é que a origem do universo não é encontrada nos átomos e partículas. Para encontrarmos a verdadeira resposta, devemos adquirir o conhecimento interior. O mundo externo e os seis reinos de seres — o "problema" — são criados a cada momento de nossa existência através da ignorância e de nosso sistema de crença dualista. Porém, a "solução" — a divindade de sabedoria e a terra pura — surgem exatamente do mesmo modo que surge o "problema" — o universo e os seres. Apenas os pontos de partida são diferentes; ignorância ou reconhecimento. Então, o que estou dizendo é que nós já somos capazes de realizar a não-dualidade. O que precisamos fazer é encontrar o ponto de partida correto.

Esta é uma história que gosto de contar sobre o poder de criar realidades. Uma vez, quando o Buda estava ensinando a seus discípulos que todo o mundo exterior é uma questão de percepção ou, em outras palavras, que ele está todo em nossa mente, um discípulo disse: "Você está brincando? Você quer dizer que não há oceano e não há mundo? Nada existe exceto concepção?" Em resposta, o Buda contou a história de uma mulher que vivia em Varanasi, uma famosa cidade indiana. Naquele tempo, os ladrões e bandidos tinham o hábito de invadir a cidade e de causar mal aos residentes. Todos estavam apavorados e em pânico. O rei tentou protegê-los mas não teve sucesso. Uma senhora se defendeu meditando que ela era um tigre. Ela meditou tão fortemente que seus vizinhos começaram a vê-la como um tigre. Isso cuidou de seu problema!

Esta história também me lembra de quando aprendi a jogar cartas. Eu estava muito excitado sobre elas e tão concentrado quanto podia. Quando ia dormir à noite, tudo o que eu podia ver diante de meus olhos eram os números das cartas voando. Elas não podiam parar. A meditação também é assim. Quando você focaliza uma divindade de sabedoria, todos os fenômenos são vistos através das lentes da visão pura. Mesmo que você sonhe com algo assustador, imediatamente o reconhecerá como a manifestação natural e não ficará com medo. Isto acontece naturalmente porque você está fundamentado na visão pura. Isto também me faz lembrar do que Dudjom Rinpoche disse uma vez: "No começo, o meditador persegue a meditação, mas depois a meditação persegue o meditador." Eu gosto disso.

Meditando sobre a divindade

Em primeiro lugar, devemos visualizar que a divindade é luminosa. A luminosidade de nossa visualização age contra a percepção grosseira de nosso corpo de carne e sangue físicos. Porém, não deve haver tanta luminosidade que os detalhes da visualização fiquem borrados. Visualize os ornamentos, jóias e sedas tão precisamente quanto possíveis. Eles vão nos elevar e nos ajudar a realizar que todos os fenômenos são luz e não objetos materiais. Obviamente a divindade não tem um corpo de carne e sangue como nós, mas também não tem uma morta imagem inerte. Procure abarcar a visualização de maneira clara porém solta, como um arco-íris no céu ou um reflexo em um espelho. A divindade tem espírito e vitalidade. Isto age contra a tendência de nos apegarmos aos fenômenos e de materializá-los ou intelectualizá-los.

Em segundo, devemos estar certos de que entendemos o significado último da mandala da divindade. De outro modo, nos desviaremos da verdadeira prática. Isto é chamado "lembrar a pureza". Sem entender o simbolismo, a prática da divindade não é útil e não leva à liberação. Por exemplo, focalize sobre um único rosto como o dharmakaya; sobre os dois braços como as aparências e vacuidade; e assim por diante. A prática de lembrar a pureza melhora a luminosidade e a sentir a presença da divindade. Isto por sua vez melhora o entendimento da sabedoria implícita. Pelo menos, sempre se lembre de que a divindade é sinônimo de bodhichitta e buda, e que o objetivo da prática da divindade é o de purificar a delusão e de aumentar a sabedoria.

Em terceiro, o ponto mais importante é de que devemos ter certeza sobre o nosso lar. Com isto quero dizer que devemos nos identificar com a divindade. Este é o orgulho-vajra e nada tem a ver com o orgulho comum do "quem é melhor que quem" e assim por diante. A prática do orgulho-vajra é se sentir convencido de que somos, neste momento, a divindade de sabedoria com todas as qualidades. Se praticarmos o orgulho da divindade, eventualmente nos efetivaremos como a divindade. Viremos a conhecer nossa identidade e isso será suficiente. O orgulho-vajra é uma prática interessante. Quando estava no Tibet, eu era o respeitado filho de um grande lama. Eu me sentia especial. Quando fui para a Índia, vivi como um mendigo, mas fui um mendigo especial porque meu hábito de me sentir especial ainda estava lá. Agora estou no Ocidente sem pretender ser um Lama especial! Minhas circunstâncias estão mudadas, mas sempre pareço projetar uma imagem boa. Então, durante a minha vida, parece que minha crença em uma boa imagem tem sido muito útil. Então, me sinto muito confiante em aconselhar que, se você puder adotar uma auto-imagem de Guru Rinpoche, isso será muito útil para qualquer coisa que acontecer.

Agora, gostaria de dizer algo sobre a integração destes três pontos da meditação sobre a divindade. Às vezes você deve tentar melhorar sua luminosidade e às vezes deve trabalhar com a sabedoria simbólica! E às vezes, você deve apenas mantê-la simples, contemplando que você é a divindade e deixá-la assim.

Apesar de a divindade de sabedoria ter um nome e atributos especiais, o princípio subjacente é que o corpo de sabedoria compreende ou é igual a todos os fenômenos do samsara e do nirvana. Então, a forma ou corpo de sabedoria da divindade não é apenas o corpo da divindade, mas representa tudo na existência fenomênica, incluindo todos os kayas e sabedorias primordiais. A divindade é uma palavra-código para "sem limitações". Por exemplo, há um ensinamento que diz que um único corpo de sabedoria permeia todos os reinos e que todos os reinos estão contidos em um único corpo de sabedoria. Este tipo de percepção ou onisciência vem do aperfeiçoamento da fase de criação do Mahayoga. Há técnicas específicas para desenvolver isto, como meditar que o palácio celestial é do tamanho de um sistema de um bilhão de mundos e que a divindade não é maior que um átomo, ou vice-versa. Como a divindade é um fenômeno de sabedoria, livre de limitações, ela é flexível e tudo é possível. Praticar o fenômeno da divindade é um modo muito efetivo para destruir nossa crença na solidez. Esse é o ponto do Mahayoga.

(Tharchin Rinpoche)

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